Então eu vou fazer de conta que foi um sonho. Um sonho muito bom. E não vou cobrar nada de você. Absolutamente nada. Foi um sonho bom em meio à realidade adversa, um sonho bom dentre tantos pesadelos.
Porque você me deu muito. E qualquer coisa que tenha vindo de você já foi muito mais do que eu merecesse. Mas você foi generosa e me deu muito, mesmo que eu não merecesse.
Acho complicado mesmo. Eu me acho complicado. Agora tudo está tão mais confuso do que devia, e eu em silêncio espero o mundo acabar, espero o pesadelo acabar, o ano acabar, a dor acabar, tudo acabar como sempre acaba. E eu como sempre só espero.
Eu não faço nada para o meu próprio bem. Eu só espero e isso não me faz bem.
Eu espero a morte numa madrugada dessas qualquer, o descanso, enfim, na certeza de que não verei a última aurora. A grata satisfação de tombar no campo de batalha, que me dá a segurança de que nunca mais verei o medo no rosto do inimigo, e em seu rosto, meu próprio medo. Que, no último momento, irá por fim dissipar-se para sempre.
Agora vou voltar para aquela antiga companheira, a solidão. Quem sabe ela não esteja assim tão magoada e venha morar comigo, ajude a arrumar a bagunça no apartamento, a lavar e a passar. Quem sabe dê uns bons palpites sobre a minha vida, ou não, ache por bem me desancar de vez e dizer tudo o que nunca ninguém foi capaz de dizer. A mais absoluta verdade.
Estou cansado. Desanimado. Quem sorri do meu lado corre o risco de vida mais provável, se não arrumar uma razão bastante plausível para justificar por que está sorrindo. Aliás, nem sei mesmo o que é sorriso, algo preso no passado.
Eu que parti esse ano do zero para refazer minha vida, tinha o direito de voltar pelo menos ao mesmo zero, não abaixo dele. Estou desprovido de forças e ânimo. Acontece que estou deprimido. Nenhuma idéia do mundo é suficiente: amor, felicidade, prazer, alegria, amizade, família, satisfação, paz, tranqüilidade, segurança. Só as palavras da minha própria metafísica existência são o que agora importa. O nada querer, o nada fazer, o não pensar. Tenho saudade de um tempo em que era e podia ser alienado, saudade da infância, da juventude, saudade dessa maldição inteira chamada passado. Que é o que justamente não me deixa olhar para a frente, para as coisas novas de um porvir no qual não acredito. No qual afinal de contas não posso acreditar.
Eu não falo, simplesmente não falo o que tem que ser falado. Eu calo somente, e espero que as palavras resolvam por si mesmas os seus enredos e construam toda a história, a seu bel prazer. Eu espero que as palavras sozinhas consertem o mundo. Espero que as palavras me enganem como sempre.
Bebo demais, como de menos, sonho demais, vivo de menos, calo demais, e não vou reclamar do que me dão de graça, a dor dessa desgraça, de ter acordado hoje mais uma vez, vivo e inquietantemente ignorando meu próprio caminho, o próximo passo. E eu não sei tudo. Isso quer dizer exatamente isso, de tudo o que há para saber, eu nada sei, eu não sei.
Se eu morresse agora, quanto pouco tempo levariam para me esquecer? Talvez um amanhecer. Talvez menos.
E me cansa demasiado meu silêncio ser invadido e violado por meus próprios pensamentos. Não há vozes no meu cotidiano, nem conversas, nem histórias ou lembranças, há silêncio apenas, embalado pelo murmúrio seco e insistente dos meus próprios pensamentos.
Tudo o que eu tinha na vida acabou. Tudo o que era vida acabou. Tudo acabou. Tudo sempre acaba. Tudo só acaba. Tudo acaba. Essa perenidade de todas as coisas me angustia desesperadamente. Parece que só eu fico recolhendo os cacos da história, revisitando velhas fotos, acalentando as mesmas gastas lembranças. Eu ando pelas ruas do bairro onde morei, entro mentalmente nas casas em que vivi e, de repente, revivo tudo ilusoriamente, como se não tivesse passado, como se não tivesse acabado. Eu refaço os caminhos, mas eles não me refazem. Eu reconstruo os momentos que me destroem.
Somente eu levanto de madrugada e busco a reconstituição fiel e perfeita de certos momentos, como se fosse possível sentir tudo de novo. O sentir não se repete. A saudade que nasce não traz a satisfação daqueles momentos do modo como foram, mas somente a dor de eles não serem mais o que foram, e a angústia terrível de nunca mais poderem ser.
Não sei o que faz minha alma dentro desse corpo velho. Velho e cansado. Não sei mais do sorriso. Não sei mais da vontade de viver. Não sei mais de mim. Eu me esqueci no meio do meu próprio caminho. Esqueci os sonhos. Eu esqueci de me ver, de me querer, eu esqueci de viver. E eu não sei mais nada disso: os sonhos, eu mesmo, o querer e o viver. Eu não sei.
Eu calo a palavra mais imprescindível.
E calo no silêncio mais insuportável.
Eu olho então o vazio e a única coisa que ele contém sou eu próprio, intangível e imaterial, invisível, não nascido, intocado e inculto, plenamente desperdiçado.
E eu não vou reagir, por mais que essa dor seja insuportavelmente eterna, eu não vou reagir. Eu vou ficar esperando o silêncio e o vazio imperarem. Porque neles eu sei quem sou. Eu sei o que sou. Sou parte deles. Eu sou o silêncio e o vazio.
Eu vou me deixar imolar na hora derradeira e não vou reagir.
Porque eu também tenho que acabar no meio de tudo o que acaba.
Mas há ainda em mim vida, muita vida.
Mas há vida como numa floresta em chamas.
Quase certa de que não escapa ilesa.
Uma vida em fuga.
Porque você me deu muito. E qualquer coisa que tenha vindo de você já foi muito mais do que eu merecesse. Mas você foi generosa e me deu muito, mesmo que eu não merecesse.
Acho complicado mesmo. Eu me acho complicado. Agora tudo está tão mais confuso do que devia, e eu em silêncio espero o mundo acabar, espero o pesadelo acabar, o ano acabar, a dor acabar, tudo acabar como sempre acaba. E eu como sempre só espero.
Eu não faço nada para o meu próprio bem. Eu só espero e isso não me faz bem.
Eu espero a morte numa madrugada dessas qualquer, o descanso, enfim, na certeza de que não verei a última aurora. A grata satisfação de tombar no campo de batalha, que me dá a segurança de que nunca mais verei o medo no rosto do inimigo, e em seu rosto, meu próprio medo. Que, no último momento, irá por fim dissipar-se para sempre.
Agora vou voltar para aquela antiga companheira, a solidão. Quem sabe ela não esteja assim tão magoada e venha morar comigo, ajude a arrumar a bagunça no apartamento, a lavar e a passar. Quem sabe dê uns bons palpites sobre a minha vida, ou não, ache por bem me desancar de vez e dizer tudo o que nunca ninguém foi capaz de dizer. A mais absoluta verdade.
Estou cansado. Desanimado. Quem sorri do meu lado corre o risco de vida mais provável, se não arrumar uma razão bastante plausível para justificar por que está sorrindo. Aliás, nem sei mesmo o que é sorriso, algo preso no passado.
Eu que parti esse ano do zero para refazer minha vida, tinha o direito de voltar pelo menos ao mesmo zero, não abaixo dele. Estou desprovido de forças e ânimo. Acontece que estou deprimido. Nenhuma idéia do mundo é suficiente: amor, felicidade, prazer, alegria, amizade, família, satisfação, paz, tranqüilidade, segurança. Só as palavras da minha própria metafísica existência são o que agora importa. O nada querer, o nada fazer, o não pensar. Tenho saudade de um tempo em que era e podia ser alienado, saudade da infância, da juventude, saudade dessa maldição inteira chamada passado. Que é o que justamente não me deixa olhar para a frente, para as coisas novas de um porvir no qual não acredito. No qual afinal de contas não posso acreditar.
Eu não falo, simplesmente não falo o que tem que ser falado. Eu calo somente, e espero que as palavras resolvam por si mesmas os seus enredos e construam toda a história, a seu bel prazer. Eu espero que as palavras sozinhas consertem o mundo. Espero que as palavras me enganem como sempre.
Bebo demais, como de menos, sonho demais, vivo de menos, calo demais, e não vou reclamar do que me dão de graça, a dor dessa desgraça, de ter acordado hoje mais uma vez, vivo e inquietantemente ignorando meu próprio caminho, o próximo passo. E eu não sei tudo. Isso quer dizer exatamente isso, de tudo o que há para saber, eu nada sei, eu não sei.
Se eu morresse agora, quanto pouco tempo levariam para me esquecer? Talvez um amanhecer. Talvez menos.
E me cansa demasiado meu silêncio ser invadido e violado por meus próprios pensamentos. Não há vozes no meu cotidiano, nem conversas, nem histórias ou lembranças, há silêncio apenas, embalado pelo murmúrio seco e insistente dos meus próprios pensamentos.
Tudo o que eu tinha na vida acabou. Tudo o que era vida acabou. Tudo acabou. Tudo sempre acaba. Tudo só acaba. Tudo acaba. Essa perenidade de todas as coisas me angustia desesperadamente. Parece que só eu fico recolhendo os cacos da história, revisitando velhas fotos, acalentando as mesmas gastas lembranças. Eu ando pelas ruas do bairro onde morei, entro mentalmente nas casas em que vivi e, de repente, revivo tudo ilusoriamente, como se não tivesse passado, como se não tivesse acabado. Eu refaço os caminhos, mas eles não me refazem. Eu reconstruo os momentos que me destroem.
Somente eu levanto de madrugada e busco a reconstituição fiel e perfeita de certos momentos, como se fosse possível sentir tudo de novo. O sentir não se repete. A saudade que nasce não traz a satisfação daqueles momentos do modo como foram, mas somente a dor de eles não serem mais o que foram, e a angústia terrível de nunca mais poderem ser.
Não sei o que faz minha alma dentro desse corpo velho. Velho e cansado. Não sei mais do sorriso. Não sei mais da vontade de viver. Não sei mais de mim. Eu me esqueci no meio do meu próprio caminho. Esqueci os sonhos. Eu esqueci de me ver, de me querer, eu esqueci de viver. E eu não sei mais nada disso: os sonhos, eu mesmo, o querer e o viver. Eu não sei.
Eu calo a palavra mais imprescindível.
E calo no silêncio mais insuportável.
Eu olho então o vazio e a única coisa que ele contém sou eu próprio, intangível e imaterial, invisível, não nascido, intocado e inculto, plenamente desperdiçado.
E eu não vou reagir, por mais que essa dor seja insuportavelmente eterna, eu não vou reagir. Eu vou ficar esperando o silêncio e o vazio imperarem. Porque neles eu sei quem sou. Eu sei o que sou. Sou parte deles. Eu sou o silêncio e o vazio.
Eu vou me deixar imolar na hora derradeira e não vou reagir.
Porque eu também tenho que acabar no meio de tudo o que acaba.
Mas há ainda em mim vida, muita vida.
Mas há vida como numa floresta em chamas.
Quase certa de que não escapa ilesa.
Uma vida em fuga.