Cara-de-pau
Sabe, moça, se minha linguagem é tão assustadora e os meus trejeitos desajeitam-me ainda mais, por que tanto amor, quando alí, na cama, sob o nosso total furor? Sabe... Ainda que os homens falassem a língua dos próprios homens (o que é uma ¨quase-verdade¨), por que tu, apaixonadamente estranha, ages assim, como que numa desconfiança perene? Eu sei dos teus segredos, dos teus momentos de loucura, das tuas loucuras de momentos, dos momentos em sua completa essência. Não sou de palavras ao vento, moça. Não sou de poemas azedos, cheios de verdades absolutas ou soluções para as mais raras doenças que afligem a nossa cara-de-pau. É moça, a nossa cara-de-pau vai nos custar caro, pois a outra moça, a recalcada, a decente, a esposa e mãe de filhos vai se vingar, e quando a percepção mais aguda da traição atiçar-lhe a mente, aí sim, tudo haverá de se desfazer na própria cara-de-pau que nos mantém tão juntinhos, tão amantes, tão abstratos na loucura e na cara-de-pau que só os imbecís têm. Sabe, moça, além de mim há meu outro eu, o outro cara-de-pau, a outra face sombria, o outro em outras venturas... Cuidado com a madrugada, pois a cada passo falso a desventura se acentua, se mortifica em nosso ser.