[Vaga-Lumes Perdidos]
[Memórias da Fazenda Barreirão – divisa MG-GO]
Lembrei, lembrei! E se acaso já contei, conto de novo, pois a gente nunca conta igual! A regressão nunca tem um caminho só — nunca!
Foi assim: em criança, ganhei um vidro cheio de vaga-lumes. Não me lembro ao certo... mas acho que foi o vaqueiro que os apanhou para mim, nos arbustos entre as brancas pedras-de-fogo que haviam no pastinho onde, no entardecer, ficavam os bezerros apartados de suas mães. Por que os vaga-lumes gostavam de pousar naquelas pedras brancas? Sei lá... Talvez tenham aprendido a pousar ali por causa das chispas de fogo que saíam daquelas pedras quando pisadas pelos [raros, raríssimos!] cavalos ferrados que passavam por lá...
No escuro da sala da fazenda, o vidro até parecia uma lanterna! Fiz um furinho na tampa para eles respirarem, e pensei em soltá-los à noitinha, no terreirão da bica d’água, para brincar com eles; eu gostava de ver os dois faróis dos “automovinhos” vindo entre trilhas de formadas com pauzinhos secos. Mas não os soltei com medo de que fugissem... havia outros vaga-lumes pra eu brincar lá perto da bica, os meus, os do vidro, não...
Mas, ao voltarmos da fazenda, segurando o vidro nas mãos, fui à janela do carro para olhar a passagem pelas águas. O carro entrou n’água devagar, bem devagar... Um galeado macio numa pedra lisa, nem chegou a um solavanco, foi o que bastou: por azar, deixei o vidro cair na correnteza do Córrego do Barreirão... Os meus olhos atônitos viram o vidro balançar na crista das águas impiedosas, indo para longe, para o Paranaíba distante...
Abri a boca a chorar, e a minha tia Lica, pressurosa:
— “Ah, não chora não, Carlinho, quando a gente voltar na fazenda, a madrinha manda pegar outros vaga-lumes pra você!”
Tantos anos se passaram e ainda sonho com o meu vidro de vaga-lumes que o córrego levou... para onde... para aquele espaço-tempo aonde só vou... em sonhos!
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[Penas do Desterro, 07 de novembro de 2009]