No parque

Saí de casa, não me preocupei muito com o que tinha trajado, ia ao parque. Como sempre tinha uma caneta e o caderno a oscilar na mão direita. Apetecia-me ouvir som, não música, não a tv, mas ruídos. Aquele barulhinho inigualável de muitas pessoas a falar ao mesmo instante, que para tantos produz dores de cabeça e a mim somente me entusiasma. Não me apetece falar, mas me agrada escutar e atentar para as diversas vozes humanas. É um verdadeiro dia de primavera, quiçá até melhor, a ventania ainda não chegou e o calor é suave e aconchegante. Por isso dou primazia à ponte, de onde contemplo o jardim e o pequeno lago. Aquele lago que conheço desde pequena, antes tinha patinhos pequenos e eu reverenciava contemplá-los debruçada, desejando-lhes tocar, era inevitável. O meu tio ralhava-me, tinha medo que me desequilibrasse, naquele tempo ainda olhava por mim... Ainda éramos os dois felizes, neste instante sou apenas eu, ele não já não é, já não está. Passei página a página do caderno, tenho conhecimento de que não é nem metade do que consigo ceder ao universo a ler; mas a mão não trabalha tão depressa como a mente, e as ideias terminam por se dissipar atropeladas por outras mais vistosas. O meu foco visual é um grupo de idosos, mais velhinhas que velhinhos. Fantasio-me com aquela idade, neste lugar, nesta mesma mesa que combina com o castanho escuro dos meus olhos, a redigir. Ou então como agora, a olhar para uma criança e lembrar-me de mim muito pequenina debruçada na grade de metal que me sujava as mãos. Tirei a tampa da caneta e na vigésima folha do meu caderno de letras alaranjadas, escrevi: "O tempo perdido é raro. Tempo é tempo, pode é ser aproveitado da melhor, ou da pior forma". Respirei fundo, não por exigência, desejei. Sorri um sorriso tímido, o mesmo de sempre. Fechei o caderno, hoje pelo visto não estava para escrever. Só para ouvir, recordar, ver e saborear o quente do verão no parque que tanto amo.

Tatiane Gorska
Enviado por Tatiane Gorska em 05/12/2009
Código do texto: T1962374
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