VINHOS, GUITARRAS E DUENDES
Já estou por aqui, no sul do mundo, com umas novas guitarreadas, aportado nas estrelas chiruas da I Feira Binacional do Livro, em Jaguarão, divisa com los hermanitos uruguayos... Equivoquei-me quanto aos buquês viníferos... Tenho em mãos, acolheradas em minha mala de garupa (compradas aqui na Zona Franca de Rio Branco), algumas garrafas de um vinito chileno llamado Carta Vieja, cepas de carmenère, que é de lamber os beiços... Mudei o encordoamento da guitarra e dos vinhos, que não são tão bons quanto a tua guitarra (aos meus ouvidos), porém descem direto no sangue, ainda mais quando dardejam os teus dedos na mulher-guitarra... Nesta hora, o vinho, tão masculino, é uma "boneca" à procura de quem a motive. Mas vai sair dando gritinhos de alegria (tipo Carmencita espanhola) por aí, quando nos juntarmos, e quando isto ocorre tudo pode acontecer, no espiritual. Percebo que no sabor dos vinhos se escondem duendes de jardins. Verdes e esquálidos... São tão inofensivos e inocentes, somente enquanto não ocorre o momento mágico do entremeio das raízes, abrindo inusitadas pétalas rubis. A música dardeja claves-de-sol. Flores desnudam-se frente aos raios do rei da luz... Se não há "Terrucas", sorveremos talvez os "Carta Vieja", o sangue vivo da Cordillera. Realmente, vinhos são como guitarras raras... Ainda hoje, ao anoitecer, começarei a libação de nosso futuro encontro de domingo, na capital, acaso os deuses possam dizer amém. Bacco tomará banho para nos esperar em seus jardins... Neste momento, duendes da pousada Recanto das Flores (onde me escondo entre sabonetes, toalhas, poemas e livros), acabam de entrar pelas janelas e marcam encontro comigo para “el vinito de soledad” dos papos e das guitarreadas. Os raios do sol nascente bordoneiam cítaras na cara madrugadora de meu espírito saudoso de guitarras e vinhos. Os anjos tocam, displicentes. Esta charla se evola pela janela do quarto, aos beijos e abraços, revolta nos insolentes dardos que incandescem a minha saudade. Acho que guitarras são soledades inventadas, e os vinhos são o canto delas, que dormitam no vento de nossas quimeras.
– Do livro ALMA DE PERDIÇÃO, 2009/12.
http://recantodasletras.uol.com.br/prosapoetica/1959710