Sentimentos da Primeira Volta

Deixo o Brasil sem medo

Vou de volta para Londes sem casa

Lenço ou documento

Escuto o som do português

A língua que já não mais entendo

Vou estudar mais e trabalhar melhor ainda

Chego no final do dia e assusta a velocidade do tempo

Lá fora tudo parece perfeito

Aqui dentro já não me conheço

Se um dia voltar a escrever

Nunca mais a verdade direi.

Cheguei em Londres

Me sinto tão estranho

Nem poderia assim estar

Pois sempre a carreguei comigo

Aquela vontade inexplicável

Aquele vazio que dói mas ensina

Força Guto, nada esta perdido

Pois nada neste mundo foi de fato inventado

Se desfaça na massa e dance feliz.

Estou em Londres tentando lembrar

De tudo que aconteceu no Brasil

Está tudo aqui dentro de minha cabeça

Escrito nas minhas feridas e em minhas mentiras

Não acho agora as palavras que irão me acalmar

Não encontro a resposta de minha vida

Simplesmente não consigo mais

O sonho acabou, a velhice me assalta aos poucos

E a juventude está lá fora repetindo meus discursos

Se apoderando de meus rebeldes passos

E eu cansado quase querendo fazer algo.

Meu coração já não bate nem apanha

Meu coração é uma borracha

Uma engraçada caixa de plástico

...Vou parar por aqui, tenho o mundo pra andar

Vou me formar de novo por capricho

Ultrapassar a linha do então concordado

Faço um pedido que meu filho não me veja

Sonho esquisito que minha família me esqueça

Não por ódio ou ressentimento

Mas por amor e compromisso.

Descobri que sou uma lenda

Na terra de onde cresci e vim

Único que não enloqueceu, morreu ou desistiu

Descobri que sou mesmo tudo isso

Que eles mesmos calculosamente produziram

Sou todavia vítima da imaginação alheia

Fato primordial de alegria e tristeza

Sou o bom quando mal, e tudo que faço

Faço bem somente com preguiça

Vou calçar meu sapato e encarar a vida

Ser meu agora por inteiro

Com muito gosto e sem medida.

Mas ainda tento depois de tanto tempo

Sentir o mesmo da primeira vez

Voar alto sem asas, apoio ou vento

Sou um burro de carga, uma besta chapada

Sou tudo aquilo que teimei em não me tornar

Tento ser feliz enganando o mal que vive em mim

Tenho um sonho lindo, sou um mágico

Penso melhor quando não planejado

Não sei escrever, nem ler ou escutar apropriado

Não consigo lecionar, sou uma farsa acadêmica

Meus raros diplomas foram comprados

Não com dinheiro ou sangue, mas com areia

Orgulho famoso do Mato, aceito ou me mato.

Voltei pra londres, deixei o Brasil mais uma vez

Ponho aquela frase de novo na parede

Troco a pintura da cozinha e do banheiro

Mudo o sofá de lugar em meu estudio

E aquela bandeira já passou da hora de abaixar

O dia esta lindo e o sol bate forte de se estranhar

Me organizo, me praparo, me iludo por um trato

...agora já é tarde e não tenho mais o que chorar

Me deixe só mas por favor não saia do meu quarto!

(Maio de 2000)