As casas de minha infância
As casas de minha infância
A primeira casa de que me lembro era uma dessas casas juntadas, feitas como casas de abraçar, tão juntinhas eram.
Ainda estava lá, em Tobias Barreto, uma cidade incrustada no tórrido e poeirento sertão sergipano, quando da última vez em que por lá eu estive.
Nela moravam meus avôs maternos; havia o nosso armazém, em cujo interior me perdia entre as barricas de jabá e bacalhau, bisbilhotando as sacas de açúcar e testando o cheiro é o gosto amargo do vinho de jurubeba.
Répentinamente, numa mudança curta e desastrada, fomos todos nós parar em Ibicaraí, uma cidadezinha perdida em meio às matas de cacau do Sul Bahia, o El Dorado dos sergipanos, numa casa pequena e triste. Dela só guardo a lembrança das ruas enlameadas e da partida, por mim tão desejada desde que pusemos os pés.
Um dia, meu avô partiu. Minha avó, incontinenti, mudou-se para a casa do pé de tamarindo, na qual vivemos até que ela comprasse a casa de que mais gostei, enquanto ainda menino. Havia nela uma parte coberta no quintal, local em que eu construía os meus sonhos, juntamente com as minhas estradas de rodagem. Seria a casa perfeita, não fosse a vizinhança indigesta de Dona Iaiá, uma harpia, misto de bruxa e mexeriqueira que vivia nos aporrinhando e espionando as nossas peraltices.
(...)
Sem muitas delongas minha avó partiu para uma reconciliação com o meu avô: era a nossa quarta casa. Voltávamos à Bahia – agora em Gongogi.
Se a casa não me enchia os olhos, o quintal cobria todas as deficiências dela, e fiz desse quintal o meu reino, aonde nele agia com ares de monarca absolutista. E qualquer coisa estranha que ocorresse naquele país estranho em que o meu avô reinava, partia eu para o exílio protetor do meu quintal, e lá permanecia até as coisas amainarem no país dos adultos.
Fechando o ciclo das casas de minha meninice, vem a casa de minha mãe; após um reencontrar acidental durante uma viagem que eu fazia a mando de minha avó, um encontro desprovido de emoção, fui conhecer a roça aonde ela morava e o meu mais novo irmão.
Gostei das goiabeiras, das bananas da terra, e muito, muito mesmo, do meu irmão...
Estas foram as minhas casas até os meus dezoito anos. Estão todas, juntas, abraçadas como irmãs, e guardadas na avenida de minha mente.
Vale do Paraíba, último dia de Dezembro de 2008.
João Bosco