[Enternece-me]
Se ainda não te disse, digo agora -
enternece-me até as lágrimas olhar os trilhos do trem
[vê só, como sou antigo... extinguiram os trens neste país!].
Enternece-me até às lágrimas olhar as estradas
sumirem no horizonte [eu, que para o poente marcho...].
Enternece-me até às lágrimas sentir o vento
que amanhã pode não mais acariciar-me o rosto [triste].
Enternece-me, e também mata-me, saber que a vida
te manteve todo estes anos escondida de mim...
Assim... ah, essas pequenas ironias da existência!
Quero te comunicar a minha mais recente decisão:
agora, também as minhas cuecas serão brancas,
todas de puro algodão, e brancas...
De que me adianta, para escapar ao confronto
com o Tempo, ter todas as camisas brancas,
se o Tempo me assalta a partir do desbotar
das minhas cuecas cinzas?!... lembra, cinzas?!
Nesta batida, logo serão brancas as calças,
as meias, o cinto, as blusas...
Como branca será aquela pequena caixa
[não, não deixes que a façam de alguma cor!]
em que levarão as minhas cinzas para serem
lançadas nas trilhas das invernadas de Minas -
que o gado manso, lento, sobre elas caminhe
no entardecer, quando volta aos currais...
[vai que existe alma, vou ver isto de novo!]
[Não, no mar não! Bem sabes que sou do Planalto Central,
das montanhas e das altas planuras de Minas, eu venho...
Assim, nada tenho a ver com o mar, embora,
em sonhos, eu navegue na sua imensidão].
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[Penas do Desterro, 28 de novembro de 2009]