[Enternece-me]

Se ainda não te disse, digo agora -

enternece-me até as lágrimas olhar os trilhos do trem

[vê só, como sou antigo... extinguiram os trens neste país!].

Enternece-me até às lágrimas olhar as estradas

sumirem no horizonte [eu, que para o poente marcho...].

Enternece-me até às lágrimas sentir o vento

que amanhã pode não mais acariciar-me o rosto [triste].

Enternece-me, e também mata-me, saber que a vida

te manteve todo estes anos escondida de mim...

Assim... ah, essas pequenas ironias da existência!

Quero te comunicar a minha mais recente decisão:

agora, também as minhas cuecas serão brancas,

todas de puro algodão, e brancas...

De que me adianta, para escapar ao confronto

com o Tempo, ter todas as camisas brancas,

se o Tempo me assalta a partir do desbotar

das minhas cuecas cinzas?!... lembra, cinzas?!

Nesta batida, logo serão brancas as calças,

as meias, o cinto, as blusas...

Como branca será aquela pequena caixa

[não, não deixes que a façam de alguma cor!]

em que levarão as minhas cinzas para serem

lançadas nas trilhas das invernadas de Minas -

que o gado manso, lento, sobre elas caminhe

no entardecer, quando volta aos currais...

[vai que existe alma, vou ver isto de novo!]

[Não, no mar não! Bem sabes que sou do Planalto Central,

das montanhas e das altas planuras de Minas, eu venho...

Assim, nada tenho a ver com o mar, embora,

em sonhos, eu navegue na sua imensidão].

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[Penas do Desterro, 28 de novembro de 2009]

Carlos Rodolfo Stopa
Enviado por Carlos Rodolfo Stopa em 28/11/2009
Reeditado em 08/07/2012
Código do texto: T1949014
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