A Gira da Terra

“Não tem corpo que resista a um batuque” – Foi a madrinha que falou, inda mandou que eu me entregasse de alma e espírito, porque o corpo é instinto. E quando o tambor toca os santos vem. Os santos e os demônios, mas que não era preu me preocupar, porque eles vêm pra matar a saudade de quando a Terra era deles e sentir o gosto da gira.

E a Terra gira debaixo dos pés da morena, que preta branca ou dos cabelos cor de sol ginga a saia bordada de flor. E os homi se chegam manso, de olhos atentos aos vacilos da saia, que roda roda roda, e gira a Terra de amor.

Porque a vida-tempo-universo é feita de ciranda, e isso a madrinha não precisou me ensinar não, eu mesmo vi. Porque é a mulher que roda a saia, que roda os homi, que roda a Terra, que roda o sol, que roda as estrelas todas, que roda Deus. A maré vai e vem, e todo mundo sabe que quem gira ela é a lua, que gira gente também.

E eu vejo os bichos, as plantas, eles tudo obedecem a gira, porque a natureza toda que nós somos é que põe vida na gente. A natureza é divina, isso madrinha ensinou quando eu ainda era pequenino, e disse que era preu ensinar pros pequeno que viessem depois de mim também. É da natureza ser ciranda. Aí eu vejo essas desgraça toda que aparece hoje, madrinha avisou, gente que tenta sair da roda perde o passo e é arrastado. É esse bando de gente que não enxerga mais um palmo de milagre na frente, que acha que estrela é só enfeite, que água se doma com cimento, gente que acha que cuidar só do próprio umbigo da lucro. Ora, onde já se viu! Mas deixa quieto, que a vida tem dessas coisas, às vezes pra aprender tem que ser arrastado fundo... Eu sigo manso, vou aprendendo e ensinando pros pequeno como a madrinha falou. Vou gingando na roda, sem medo, libertando alma e espírito, porque o corpo não resiste a um batuque, é instinto.