O Livro - Parte I ( O Velho e a Criança)

As estrelas ainda brilhavam... Naquela madrugada de inverno rigoroso de 2040.

Tchuaaaa...Tchuaaaa...Tchuaaaa...Tchuaaaa...

Apenas se ouviam as ondas caudalosas umas após as outras, ritmadas pelo forte vento sul que assobiava incansavelmente. As ondas pareciam ansiosas para beijarem a praia das areias grossas e retornarem apressadamente mar adentro.

Lá no fundo do mar, por entre uma forte névoa fria, surgia um sol preguiçoso trazendo consigo um horizonte ainda longínquo a se aproximar de mais um dia e expulsando a noite como uma fugitiva rumo ao passado eterno.

Sentado num barranco de areia entre as plantas rasteiras e as pedras enegrecidass do molhe, o velho contemplava fascinado a transformação do cenário diante da vida que os raios de sol incutiam em cada cor.

As cristas das ondas pareciam cristais que se elevavam e desciam vertiginosamente contrastando com as espumas revoltas, banhadas cada vez mais intensamente pelos raios dourados do sol nascente.

Na flor d’água as gaivotas esfomeadas em vôos rasantes procuravam pelos cardumes de peixes enquanto os pequenos e coloridos barcos dos pescadores partiam em busca das redes colocadas no dia anterior.

Todo o cenário se modificava a medida que o dia clareava e o velho não percebia, mas era nele que as maiores transformações iam aparecendo...

Os cabelos brancos transformavam-se em fios de prata.

As suas barbas longas marcadoras do tempo e endurecidas pelo frio se escondiam sob um cachecol de fina lã. Este cachecol aquecia o seu pescoço, e no seu peito, o seu coração.

Seu nariz avermelhado era vez por outra esfregado por suas mãos para não congelar.

E eram estas mãos tremulas escondidas sob o grosso casaco que se mostrando vez ou outras se revelavam suaves, sem calos, apenas arroxeadas pelo frio da madrugada.

Um velho coturno encobria os seus pés até a meia canela. Por dentro dele a bainha de uma calça grossa de cor esverdeada protegia do frio as suas pernas encolhidas.

As marcas de suas pegadas já estavam quase apagadas pela areia trazida pelo forte vento, incansável e cortante.

Repentinamente, como que avaliando a claridade já presente, o velho retira de dentro do sobretudo... Um livro.

O livro da Capa Dourada

O cuidado com o manuseio do livro revelava uma preciosidade.

Envolto em um plástico transparente mostrou-se pouco a pouco com a sua capa dourada.

Os raios de sol passaram a incidir sobre os manuscritos da primeira página como que Absorvendo a textura de cada letra nele impressa.

O vento tentava teimosamente avançar as páginas, mas a pesada mão do velho não as deixava adiantar-se.

O velho ficou de costas ao vento e esfregando as mãos, flexionou repetidas vezes os dedos para aquecer a circulação.

O que levaria um velho numa manhã tão inóspita para a beira-mar tão cedo?

E por que a insistência em ler um livro nestas condições?

O Menino dos cachos de ouro

Ele lia calmamente e a cada página um leve sorriso aparecia em seus lábios. Em vários momentos, com os olhos levemente marejados piscava repetidamente.

E no permeio das lágrimas subitamente...

Vê um menino correndo sobre as ondas do mar e se atirando na areia da praia... Os cabelos encaracolados, os olhos intensamente azuis, os pés descalços e um pequeno short a lhe cobrir.

Enche as suas mãos de grãos de areia e os lança ao céu... Eles parecem grãos de ouro.

Grita, ri, os seus olhos brilham pela felicidade de estar naquele cenário que parece estar preparado por Deus para a sua diversão.

Extasiado corre em direção às ondas e se assusta pela profundidade que repentinamente lhe cobre a cintura. Procura voltar à margem, mas as ondas que seguiram adiante dele retornam, ele tonteia e cai.

Assustado, percebe que foi uma impressão falsa... As ondas se afastaram e ele estava em terra firme

Cansado se prostra por alguns minutos na areia para descansar e aprecia as espumas que as ondas fazem ao alcançarem as areias e a pedras do molhe.

Sente-se um rei diante da grandiosidade das ações e reações da própria natureza.

E entusiasmado começa a fazer,...um Castelo de Areia.

***

Aprendemos a lutar por nossos sonhos

Fazendo castelos de areia na praia

Quando pequenos

Mas em poucas horas as ondas do mar vinham

E desmanchavam os nossos castelos de areia.

Fazíamos então

Novo castelo maior e mais bonito

Além do alcance das ondas do mar.

E ele perdurava e nós comemorávamos feito inocência...

À noite, sob a luz do luar, a maré subia

E nosso castelo de areia desaparecia.

Mas nós não estávamos mais lá...

Assim crescemos!

Durante nossas vidas lutando por nossos grandes sonhos

Alguns se tornam castelos de areia

Se desfazendo ao tempo e aos nossos sentimentos.

Aprendemos que a nossa materialidade

As nossas posses, desfaz ao tempo.

Que o nosso orgulho, o nosso ódio

A nossa ignorância e hipocrisia

São desfeitas na hora da verdade.

Que o amor destrói falsos sonhos

E que a mentira destrói amores verdadeiros.

O Amor se alimenta de ilusões e sonhos.

Precisamos descobrir os castelos de areia que construímos

Enquanto há tempo.

***

Robertson
Enviado por Robertson em 21/11/2009
Código do texto: T1936543