Noites inocentes
Havia um jardim no começo da rua,
onde um bando de girassóis preguiçosos
passava o dia todo vagabundeando por ali
maturando-se ao sol sem ter o que fazer.
Vira e mexe um deles quebrava o pescoço,
tentando seguir a olhos compridos as raparigas,
que passavam morosas, requebrando os seus quadris,
a passos miúdos em direção a parada de bonde.
Do outro lado da rua, há muito tempo esquecida,
uma casa velha, de paredes enegrecidas e úmidas,
que diziam, os mais velhos, ser mal assombrada,
amedrontava os que por ali se aventuravam
nas veredas lúgubres e silenciosas da noite.
Encravado do lado direito da poética Rua da Mooca,
o “Cine Moderno” recebia nas escabiosas tardes febris
os adolescentes que desciam a rua em algazarra,
para deleitarem-se com as suas matinês dominicais.
Na Canuto Saraiva um casarão de modos imponentes,
com seu quintal que abraçava quase todo o quarteirão,
escondia-se um pomar repleto de frutas maduras,
inalcançáveis por conta de um enorme muro que,
rude e truculento se opunha e nos impedia.
Homens de ternos e chapéus surrados pelo tempo
desciam apressados em direção a estação de trem
desviando-se dos engraxates e dos bilheteiros que,
parados nas calçadas, obstruíam os seus destinos.
Ao longe um apito longo e sonoro anunciava seis horas.
Lentamente o comércio ia descerrando suas portas,
indiferentes ao frenesi das pessoas que saiam das fábricas,
e de tantas outras que chegavam sisudas nos bondes lotados.
Aos poucos, entretanto, as ruas iam retornando a sua quietude,
dando vez às conversas de vizinhos sentados à calçada,
enquanto as crianças corriam libertas pelas ruas de terra
brincado de esconde-esconde, pega-pega ou mão na mula.
Até que há certa hora, vencida pelo cansaço do dia a dia,
a Mooca, sonolenta e exausta, adormecia entre anjos e querubins,
velada pelas noites fulgurosas que ainda eram inocentes.