Poema com rimas escorridas para o final

Era uma vez uma menina esquálida que nasceu no fim da segunda grande guerra e que foi criada com o seu irmão na vizinhança da grande fábrica têxtil.

E foi habituada a conviver com os operários que vinham comer a sopa sentados nos últimos degraus das escadas da cozinha.
E com eles aprendeu que o primeiro gole da garrafinha de vinho tinto era para roxear a sopa na marmita, dando uma cor soturna ao esverdeado da couve-nabiça. E que a França da carta de chamada, esse grande país do De Gaule e dos francos novos a cinco escudos e velhos a pataco, era o destino dos mais audazes logo que o amanuense da Câmara lhes vendesse um passaporte.
 
E com as operárias que vinham ao domingo para que lhes cortasse os vestidos aprendeu a maledicência.

E com as amigas das operárias que vinham, de longe, aprender costura, soube dos desgostos de amor.

Naqueles difíceis tempos, o pai Natal não se atrevia a entrar em casa pela chaminé. Não encontrou ninguém em casa e colocou a pistolinha de fulminantes e a bonequinha de porcelana no parapeito da janela.

Hoje, essa menina pálida, ouvindo o escalracho castálido das torrentes outoniças, é a ninfa inválida de uma cálida crisálida.

ANTONIO JORGE
Enviado por ANTONIO JORGE em 16/11/2009
Código do texto: T1926468
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