ODORES E SABORES DO PASSADO

Odores e sabores do passado

O que o tempo não conseguiu destruir...

O cheiro de naftalina de Irmã Angela, sempre gorda, suave, caminhando em câmara lenta, quase planando.

O cheiro de flor de laranjeira de Irmã Marta, a freira rica, entre as pobres.

E o que dizer dos oitís, de sabor travoso, de cheiro ácido, forte, penetrante?

Os tamarineiros esparramavam frutos pelo chão que esmagados pelos passantes que os relegavam, cheiravam, cheiravam...

Até os carrosséis que giravam, giravam, sem saber pra onde ir, exalavam cheiros multicores, ora de lavanda, ora de talco Gessy.

Da barraca de D. Nega, vinha o cheiro do cachorro-quente, o mais disputado da Festa das Neves. Não se sabia se melhor era o cheiro ou o sabor.

Na cidade baixa, o mangue se encarregava de perfumar todas as ruas em volta das margens do rio/mar.

E como descrever a procissão da Virgem das Neves? As ruas eram tomadas por pessoas de todas as classes, todos anciosos por se penitenciar de seus pecados cotidianos. Nessa hora, se irmanavam e o perfume frances das damas refinadas se misturava harmonicamente com o óleo de coco usado nos pixauins das mulatas caderudas.

Mas, o cheiro que ficou, que marcou, vem de um garajáu que subia a ladeira da borborema, vindo de trem. Trem que aportava no porto do capim. O conteúdo era um verdadeiro tesouro esperado por todos. No seu interior, frutas maduras, de mil feitios e formas se mesclavam e juntas aguçavam nosso apetite sedento dos sabores de Pilões.

A lembrança fatalmente se acendia, e, lá vinha o cheiro do feijão de tia Odília, na sua panela de barro a arder no fogão à lenha.

Saindo do fogo, diretamente para a janela do jardim onde continuava a borbulhar, nos fazendo salivar de desejo. Era uma festa para nosso olfato que mal conseguia se segurar até a hora da degustação. E, como demorava essa hora...

Impregnado de minha saudade, persiste o cheiro do jasmim vapor, naquele tempo, só branco, hoje colorido, nem sei por que. Seu cheiro doce, forte se confundia com as flores de meu jardim sempre florindo, sempre florido.

Na orla, o mar exalava o cheiro de maresia, cheiro de mar, cheiro de amar.

Mas, a feira estava lá, imponente, colorida, com mil odores, mil sabores, num festival digno de enfeitiçar qualquer mortal que alí aportasse, que alí pairasse, e, que guardasse dentro de sí, como apreender um tesouro, essa lembrança doce, terna, mas, forte dos odores e sabores do meu passado.