Você bebe e fuma demais. Sabe disso. Precisa emagrecer, fazer exercícios, levar uma vida mais disciplinada, dormir bem, comer bem etc e tal. Mas o que você precisar fazer mesmo, de verdade, é descobrir um motivo para ser melhor.
Em volta as pessoas vão se destruindo aos poucos e você não pode fazer coisa alguma. Essa maldita impotência das palavras e esse completo descaso com o bom exemplo.
Mais uma pista que vai além da inquietação: um filósofo pode encontrar mil motivos para não viver. Um poeta não... para ele basta um único lírico motivo para continuar a viver, para insistir, para teimar até o fim. E quando esse fim chega, se é que chega, há de se entender Pessoa: "...Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso. Só quero torná-la grande, ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a (minha alma) a lenha desse fogo." Então, cada dia que se descortina para mim, tenho essas "palavras de pórtico" a me guiarem num turbilhão de tantas palavras tão estranhas a respeito de absolutamente tudo, isso para não falar das ações.
Não aceitar a fala fácil, o julgamento mais rápido e aparentemente preciso, ir além do que se diz para o que se quer dizer realmente, julgar não julgando, usar qualquer julgamento como princípio do que não se deve fazer primeiro.
Sim! Sou mais feliz do que aquele cara que dorme na rua? Sou mais aceitável porque sociável, do que aquele cara "esquisito" que não se mistura a nossas gracinhas e não se afeta com os nossos gracejos? Estou mais distante da imperfeição do que aquele que consegue disfarçar menos do que eu?
Aceito meus erros, "homo temeratus", meu medo é minha medida, e me mostro onde mais me escondo. Não sei o que fazer da vida, como você, não sei o que fazer de nada, como você. Eu tento no mínimo racionalizar toda essa insanidade e sabe o que acontece? Perco a noção de sanidade e me pergunto: eu saberia se tivesse enlouquecido?
Os olhares de fora não bastam. As palavras de outros não ajudam. A luz que ilumina a casa vizinha não ilumina a minha. O próximo passo é meu, e pertence ao caminho que eu trilho. E se alguém me segue vai se cansar logo. A vida tem muito de sentir e sentir é algo instransferível e inexprimível. A não ser que se deixe falar o eu-lírico...
Ah, esses ajuntamentos de poemas que tanto leio, e os que escrevo, nada ainda disseram se amanhã vai chover ou fazer sol, se me alegrará o coração um sorriso inesperado, uma mão no ombro, um beijo na boca, um abraço apertado ou um pouco de calor nas minhas noites vazias, um fazer-se companhia, nada disseram se haverá paz nesse próximo dia. Nada disseram e parece que eu já sabia de tudo. Ah, quanto se sofre por um olhar que não se tem! É como saber que há tanta luz e não escapar da escuridão. É aquele silêncio que se faz depois que tudo se silencia.
E, inexorável, o tempo passando, bem aos poucos ensinando tudo quanto não se vai saber nunca, ensinando que não se vai saber, simplesmente não saber.
Marcos Lizardo
Enviado por Marcos Lizardo em 12/11/2009
Reeditado em 06/09/2021
Código do texto: T1919238
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.