O Esperado Beijo
O incômodo já o atormentava. Fazia tempo que ele não tinha um desejo com tanta intensidade. Mesmo tentando “lembrar-se” de quando, não conseguiu achar no refolho da alma um tempo preciso. Por isso, o desejo que no início fora deliciante, começou a ser um incômodo, pois começou a sentir que talvez não se efetivasse.
Por dias e dias, chegava ao trabalho com a ânsia de concretizar, e desiludido, via-se num mundo de desencontro e desenganos – pois apenas em sua imaginação é que ele se encontrava e não se enganava – mas a realidade era bem mais cruel, bem mais dolorosa. O seu objeto de desejo era inacessível.
Tentava se concentrar no trabalho, mas todas as vezes que ela se mexia, para pegar uma folha na impressora, ou ir ao arquivo morto pegar algum documento, seu olhar desviava-se do que estava fazendo e seguia-a encantado com o que via.
Seu corpo esbelto, bem talhado, seu rosto sereno e lindo, seu sorriso franco e sensual, seus lábios sedutores, mexiam demais com ele. E a cada dia, o desejo aumentava e aumentava.
Ele tinha um só pensamento: Beijá-la!
Sim. Ele precisava beijá-la. Não um beijo cinematográfico, ou boca com boca. Um simples beijo apenas. Desses que damos nas pessoas quando nos cumprimentamos no dia-a-dia. Mas esse simples beijo já seria tudo para ele, pois ali ele poderia perceber, sentir e ter a certeza de que ela um dia poderia ser dele. Poderia! – ele pensava.
E este passou a ser o seu “objeto” do desejo. Um beijo simples em sua delicada e angelical face.
Mas como chegar e “roubar” tão desejado intento?
As festas de fim de ano se aproximavam. Um sonho acalentado e urdido foi elaborado em sua mente. Seria neste dia. No dia em que todos – sem distinção de cor, sexo, religião – se abraçariam e se dariam beijos faciais.
Quando ele parou em sua frente, e ela, como um anjo, uma deusa inebriante de delicadeza e paixão, abriu-lhe os braços convidando-o para a confraternização, colou-se em seu corpo e, com seus lábios, roçou sua face.
Naquele momento o mundo podia acabar, a vida desaparecer, o sol se esconder e a lua sumir para sempre no firmamento. Ele tinha conseguido o que vinha sonhando há meses. O roçar em sua face um beijo deliciante.
“Papai Noel existe” ele pensou, enquanto seu corpo sentia o calor do corpo dela, e seus lábios tocavam aquela tão desejada face.
Saiu de férias. Um tormento assomou seu coração. Férias para quê? Se o que eu quero está lá? – Pela primeira vez, arrependeu-se de não estar em seu local de trabalho.
Quando retornou, seu coração acelerado chegou primeiro que ele na seção. Ele sabia que ela lá estava como todas as manhãs. E, para ele, uma segunda oportunidade, um segundo roçar de lábios e face, seria o âmago de uma obra completa e feliz. Seria ser presenteado pelo Universo, sem ter tido o merecimento de tão bela homenagem.
Parou na porta e buscou ávido a sua pessoa. Lá estava. Sorrindo, com o mais belo sorriso das mortais, ela levantou-se para recebê-lo e, presente dos deuses, abriu-lhe os braços para recepcioná-lo, além de oferecer a face, mais uma vez, para o toque de seus lábios e um beijo inesquecível, inebriante, louco, maravilhoso.
Agora sim ele tinha certeza. Ela seria um dia dele.
Um dia...
Quem sabe!