[Os Ralos da Vida Besta]
[Protesto contra o Nada]
Eu, o arauto do óbvio, repito:
nada é definitivo,
ninguém pertence a ninguém,
tudo que a gente toca ou faz,
é, e também não é,
pode ser e pode não ser;
tudo flui por onde não se espera,
tudo escoa pelos descuidos
de nossos olhos distraídos!
Quando a gente toma tento,
o mundo ficou velho, ralou-se...
Vivo a fagulha do instante,
não guardo coerência,
tenho mas não tenho memória:
expressões de faces,
frases soltas que escrevi,
frases soltas que me escreveram,
tudo gira solto, despregado
de minhas bandeiras... já mortas!
Nada ostento além do escárnio,
do desdém pela fatalidade...
Jamais sei o que vou guardar
dos eventos da minha vida,
e nem me importa saber;
importa, mas não importa?
Não sei, mas sei que, às vezes,
vou guardar só o que te ofende,
vou guardar só o que me ofende!
O esquecimento protege a gente;
se necessário, crio... e recrio hoje
diferente do que foi ainda ontem!
Meus olhos arrancam das coisas
a noção de tempo que me consome...
sei que a correnteza só me leva!
... E tudo se vai mesmo é por esses
malditos ralos da vida besta...
___________________
[Penas do Desterro, 10 de novembro de 2009]