SONORAS LEMBRANÇAS

Trago comigo as vibrações da rua neste dia de sol, quando a brisa primaveril circula no ar o aroma das flores associado ao canto dos pássaros.

Entre a cortina e o tapete um raio de sol rompe a penumbra do meu quarto, e eu vejo a dourada manhã ainda orvalhada em folhas, em que percebo  as chuvas chegarem e com elas o verde.

Mas, de todas as vibrações recolhidas, só me ficou, vivendo a música do som no ouvido delicado, a canção da tua voz, que meu ouvido guarda, e para sempre eu conservo como um diamante num relicário de ouro.

Sinto harmonizar, alastrar em som o meu corpo todo, como harpa ideal, a tua clara voz de filtro luminoso, magnética, dormente, como ópio...
Muitas vezes, por noite, em que as estrelas pontilham o céu, tenho pulsado às sensações de notas errantes, de vagos sons que as aragens trazem.

As fundas melancolias que as estrelas e a noite fazem descer sobre o meu ser, da amplidão silenciosa do firmamento, dão-me à alma abstratas suavidades, vaporosos fluidos, sinfonias solenes, misticismos, ondas imensas de sonoras lembranças.

E, calado, na majestade sombria da natureza, como num religioso recolhimento de cela, vou ouvindo, esparsos na vastidão, nos longes, como que entre redondos tufos escuros de folhagem, onde se oculta a tua existência, inebriantes perfumes, sons de peregrinas vozes ou de invisíveis instrumentos.
E os sons chegam, vêm até mim, na estrelada tranquilidade da noite, frescos e finos, como através de rios claro que nevassem ou de vagas embaladoras que o frio luar prateasse.

Vejo, na nitidez de cristal do pensamento, a harmonia sonora do ouro, com as cordas tensas, dedilhadas como se tuas mãos em frêmito me afagassem o peito...

Mas, do som, da música, não me enleva só o ritmo leve, educado, que deixa uma suavidade acariciando, bafejando o ouvido como um perfume bafeja, acaricia o olfato.

Ficam-me nos sentidos, nos nervos, calafrios sutis, ligeiros narcotismos, pequeninas vibrações que, não sei de que rútila chama, parecem faiscar...
E começo, após um engolfamento de sons profundos, a ter penetrabilidades intensas, estranhas emoções que me despertam infinita série de fatos já gelados no tempo, como passadas fases da lua.

Evidenciam-me idéias, impressões, sugestões curiosas, certos obscuros estados mórbidos da alma, que em vão a espiritualidade humana tenta transplantar para os livros, mas que só o ritmo aviventa, levanta aos poucos da nebulosa existência, como este sol matinal sempre amado, mas já antigo, já velho, remotamente apagado em alguns sentimentos que me levam a ti.
LordHermilioWerther
Enviado por LordHermilioWerther em 08/11/2009
Reeditado em 08/11/2009
Código do texto: T1911949
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