{Estou na infância...}
Estou na infância, no quintal de chão rachado.
Tenho sempre uma vontade danada de comer algum doce, digo sempre...
É tão amargo o brilho fosco dos olhos dos adultos (quando pensavam em deus), e o tom de voz era pura acidez cortante... giletes voando sobre a face.
Como as graviolas e goiabas azedas que rompem nas estações lá no quintal onde minhas tranças juntam mato, carrapicho e piolhos. O suor escorre pela cabeça, me coço toda... e sinto no corpo o cheiro de percevejo. A maria fedida... a vida cheira em mim... Fico agoniada e corro, grito a alguém que me procure o bicho em mim, pois cheira cada vez mais forte...
Eu também vivo no fundo de alguma cisterna. E sou sinuosa e escorregadia no meu terreno vadio (só falo do terreno baldio do subúrbio do meu bairro de barro... ah, deixa eu!?) - (a avenida Brasil, a Lapa, o Centro, a Praia Vermelha, o Bondinho doce, o Cristo, quem sabe vem depois). Me dependuro na mureta que dá pra rua, vergo o corpo e sinto o vento, os pés em ponta...
As palavras estam presas às paredes, mas escorrem... minam dos muros, telhados, vozes, telhas amarronzadas da casa velha. O verde me fascina e me abraça com cheiro de chuva.
Na rua, algum cachorro louco é levado pela carrocinha e os que não são loucos também vão virar sabão - é o que dizem - quando meus olhos vacilam de... um som peludo quer sair da boca.
Fico olhando a morte da bezerra, tudo se transforma em algo? me pergunto. Fico olhando o ar com espanto e curiosidade , buscando alguma imagem, a idéia de transformação das coisas, dos seres é até divertida. E como galhos e folhas de uma árvore que engole o ar a terra, a seiva...penso... Em que eu me transformarei depois que crescer? O que eu serei quando eu não for mais eu ali? E quando morrer? Serei algum perfume? Alguma cor? Alguma concretude útil para um depois? Alguma palavra nova? Alguma voz ou som dentro de alguém? Uma pergunta renitente? Um fogo que arde ou mais uma história de virar sabão?