Corra, Lola, Corra!
Corria, corria, corria. Não podia parar nem por um segundo, senão a consciência a pegava. Há muito desistira de ser consciente, agora queria simplesmente ser. Sem rótulos, sem marcas: apenas ser. Queria abstrair sua existência, todos os seus problemas, tudo aquilo que não gostava ou não compreendia. Queria fugir. Queria sair, deitar, dormir o sono dos justos. Não queria mais ter que lembrar nomes, que fazer sociais, que seguir padrões, que dar satisfações, que aprender, que mostrar que pode, que mostrar que sabe, que mostrar que é alguma coisa. Queria simplesmente ser. Enquanto esvaziava sua mente, corria. Queria também esvaziar o corpo, anular suas fraquezas, diminuir o material, nem que para isso começasse com sua figura.
Então, começou uma rotina: certo dia, acordou achando que era a hora certa. Colocou uma roupa e saiu a correr. Correu até suar, até se sentir leve; leve e cansada. Retornou caminhando até sua casa. Entrou, jogou as chaves numa mesinha de centro e foi até seu quarto. Despiu-se e parou em frente ao espelho. Gostava do que via. Era atraente, bonita até, mas os outros não a notavam. A luz refletia as pequenas gotinhas de suor que molhavam seu colo e rosto. As faces avermelhadas demonstravam esgotamento, mas não queria parar. Queria chegar à exaustão! Seguiu para o banheiro e tomou um banho frio, prestando atenção na água, em sua temperatura, no arrepio que provocava em seu corpo.
Saiu, secou-se, vestiu-se. Não levou bolsa, documentos ou celular: estava solta, sentia-se livre. Pegou as chaves, partiu. Queria festa, queria dança, queria delírio! Em pouco tempo achou o que queria: um grande hangar, luzes amareladas, música grudando em seus ouvidos. Era ali! As batidas a levavam longe, seu corpo vibrava. Não ligava para os que estavam ao seu redor, dançava. Queria se libertar, dançava. Logo sua mente desprendeu-se, e junto com seu corpo, entrou em delírio. Girava, rodopiava, chacoalhava. O mundo ao seu redor virou um grande borrão.
Dançou por horas e horas, até perder as forças. Resolveu caminhar um pouco mais antes de ir para casa. Porta afora, tonta e exausta, viu um senhor que vendia bebidas. Sem pensar, agarrou uma garrafa de conhaque e lhe jogou uma nota de 10 reais. Caminhava tropeçando em seus próprios pés, as pernas bambas; apenas carros pelas ruas.
Seguiu em frente: não estava muito longe de casa, pelo que se lembrava. Bebia direto do gargalo, o líquido queimando suas entranhas. Estava livre! Livre! Jogou a garrafa no chão, e ela se espatifou em milhares de pedacinhos. Parou e observou os pequenos cristais marrons. Será que havia algum sentido naquela garrafa? Se havia, ela o tinha libertado. Libertado! Riu e seguiu caminhando; logo avistou seu prédio. Portaria, “boa noite, seu Roberto”, elevador, oitavo andar, 810. Chave na fechadura, mão na maçaneta, um leve ruído. Tranca a porta, chaves na mesinha. Anda se despindo, deita se vestindo. Está acabada; acabada e livre. “Radiante!”, balbucia delirante enquanto agarra o lençol. E assim, cansada, deita e logo dorme o incrível sono dos justos assim que o dia amanhece.