NA SOBREVIDA
E ter desistido antes de começar
e ter projetado seus dias
para um futuro logo ali
(já nem verei tais acontecimentos)
engolindo os dias no atropelo
de quem cumpre obrigação e tem pressa
nem gozo, nem sabor, nem efusão
no arrastar das cargas impostas
e aceitas como fato consumado
engolindo o café e correndo
a cumprir e cumprir
engolindo sem mastigar, goela abaixo
cara de espanto, cabeça rodando
corpo pedindo, gritando e tu só indo
e deixando a vida pra depois
que ainda há tempo, que ainda há...
(que tempo, que engano de estar vivo)
cabeça rodando, vontade enfrascada
mais uma noite amanhece e tu
e eu, varando as madrugadas
vontade enfrascada desejando
possibilidades, em lugar de sonhos?
fatos, em lugar de suposições?
mas parece que tememos tal intensidade
e além disso a vida mal chega à próxima esquina
quando a morte já está ao volante
motorista em "direção ofensiva"
ah, é duro viver sob a sua clava
ouvir seu riso de dentes falsos
zombando de nossas aflições
viver este fim de tarde vendo o sol
descer implacável, para o derradeiro horizonte.
E ter desistido antes de começar
e ter projetados seus dias
para um futuro logo ali
que depois quem sabe, depois...
É ter morrido dia após dia
a cumprir, a cumprir,
engolindo sem mastigar...
Mas... estranho mistério da natureza inconformada
infiltram-se na escuridão uns versos temerosos:
Estando então, ao deus dará desta jornada
ainda assim, teimosa sina, o corpo grita
pede socorro, gesticula, agita
e ainda espera o seu amor na madrugada...