diálogo entre grávidolescentes

Uma adolescente grávida, num banco do parque, acariciando a pequena barriga, de quatro meses. Imaginando um rosto, pensando em nomes, para a criança, não programada, mas enviada à sua vida. Não tem boa situação financeira, e o pai da criança foi para outra cidade, como lhe disseram. No banco ao lado, outra adolescente chega, desesperada. Preocupada, a grávida, levanta e vai até a moça nervosa. Senta devagar, passando a mão pelo ombro dela...

Aos prantos, a menina pergunta:

- Quem é você, por quê se aproximou de mim?

- Meu nome é Rafaela, me preocupei ao ver você nervosa assim.

- Não lhe interessa, você não sabe a extensão do problema em que agora me vejo... Senão, nem viria me encher...

- Eu poderia lhe ajudar, com palavras. Se eu conseguir te acalmar, já ficaria feliz, mas me desculpa, vou saindo...

- Espera! Meu nome é Carla, tenho dezoito anos e...

- Não me conhece, desculpe, eu não queria interferir na tua vida. Perdão, só fiquei angustiada ao ver você assim...

- Minha vida acabou, acabou... Está vendo esse corpo? Logo não existirá mais...

- Porque? É tão linda e tão nova... Veja, eu estou engordando, mas logo conseguirei ficar com o corpo igualzinho ao seu, e tenho dezesseis anos.

- Você não tem o mesmo problema que eu, minha querida, veja esse papel...

- Também está grávida? Eu também descobri com dois meses, e já estou com quase cinco!

- Estou grávida por tempo limitado.

- Como assim...?

- Veja essa cartela aqui. Vou tomar um banho assim que chegar em casa e tomar esses comprimidos todos. Antigamente esse remédio era usado para problemas de úlcera, logo descobriram que mulheres grávidas que tomavam, perdiam os bebês. É um abortivo, não há chances da criança sobreviver antes dos quatro meses.

- Você faria isso, mataria seu próprio filho?

- Não seria, matar, a palavra adequada... Eu preciso pensar em mim, em meu corpo, e em quantos meninos e meninas mais vou conhecer. Agora você vai dizer que não foi apontada por amigos, por estar grávida? Eu não quero isso pra mim, jamais!

- Eu fui sim, meus amigos na escola estranharam, e antes mesmo que eu soubesse já falavam que eu estava grávida, devido a dois desmaios, mas eu não me importava, eu sabia que o pior seria lá em casa, e foi mesmo...

- Como foi? Tua família aceitou? Tenho certeza. Para estar tão calma assim..

- Não, quando disse pra minha mãe ela ficou nervosa, mas feliz por ter um neto, ao contar para meu pai. Mas, meu irmão... Meu irmão me teu um tapa na cara, e, quando tentei sair da sala, me deu um chute no traseiro, me fazendo cair, e me xingava com palavras dolorosas...

- E como aceitou? Foi para a casa do pai da criança?

- Não... Ele soube antes de minha família, e, em menos de uma semana foi morar com os tios. Deixou apenas um e-mail, dizendo que era muito novo para ser pai. Então, opitei apenas em ser mãe, apenas mãe, e meu filho nunca ficará sozinho.

- Como aceita? Já pensou em teus braços como vão ficar? Moles. E teus peitos vão ficar enormes, seu peso, então... Estou pensando em tudo, é como todos dizem, ame a si próprio, antes de qualquer pessoa, e eu amo meu corpo. Eu acho que não apanharia assim como você apanhou. E meu namorado adorou a ideia, mas ele não será o único namorado da minha vida.

- Porém, esse pode ser seu único filho.

- Você disse, FILHO? Isso é apenas um feto, pois vacilei nas pílulas, e logo ele se vai. Caso o remédio não der certo, eu procuro uma clinica. E você? Tenho certeza que pensou em abortar...

Pensei sim, quando meu namorado foi embora e quando meu irmão me bateu. Mas, ao sentar, e imaginar essa criança chutando minha barriga, dando os primeiros passos, recuei. Sou nova para ter um bebê, mas terei de crescer e suportar as consequências, não sinto medo de que meu corpo mude, que minha família não aceite, pois eu sei que, para sempre, eu vou ser amada e vou ter a quem amar.

- Mas tua família aceitou você em casa?

- Sim, umas duas semanas depois, minha mãe comprou um ursinho, que ainda está no pacote. Quando o bebê chegar, vou abrir.

- Não entendo como fala assim. Eu já tenho nojo dessa minha barriga, dessa criança...

- Você descobriu hoje?

- Sim, agora mesmo. Estou triste e com ódio ao mesmo tempo... Essa criança... Eu não vou deixar nascer!

- E seus pais, se soubessem, o que fariam?

- Eles não vão saber.

- Já pensou no que irá fazer? Pensa, que aí dentro, tem um rostinho, que vai procurar os seus abraços, seus beijos, e nunca vai te deixar.

- Mas eu posso ter outros filhos no futuro, não é o problema, é que eu tenho só dezoiito anos!

- Já pensou se teus planos derem errado e você acabar sem poder ter filhos nunca mais? Ou pior, cavar a sua própria morte? Eu acho difícil para uma mulher ser infértil. Pior ainda, se ela procurou por isso um dia, me entende?

- Mas, quantas baladas eu deixaria? Com quantos garotos eu não ficaria? E perderia todos meus amigos, eles se afastariam...

- Já imaginou quanto tempo dura uma balada, e quanto tempo duraria seu remorso? A balada acabaria. E depois dela?

- Não sei, nem quero saber, isso é futuro, hoje eu estou aqui grávida, e se eu deixar, amanhã, uma criança vai roubar os meus dias.

- Você acha que ter um filho é assinar um decreto para a sua própria morte?

- Não, mas a vida para!

- Para? Está vendo aquele grupo de amigos ali? Aquele rapaz com o cabelo roxo, com a namorada e aquelas outras pessoas?

- Sim, por sinal, um cabelo horrível...

- Percebe como eles estão sorrindo? Rodeados de pessoas, não é?

- Na verdade estou vendo aquela menina, correndo atrás daquele menininho ali, será que ela é a mãe? Ela parece ser da nossa idade! Que absurdo!

- Não, ela é amiga daquele casal. Eles costumam se reunir aqui no parque, para trazer o filho, e conversar com os amigos, quase sempre estou com eles.

- Mas, olha o tamanho da menina, o "corpão" dela... Ela parece ter uns vinte e cinco anos, pelo menos!

- Não, ela desenvolveu quando engravidou. Ela tem dezessete anos, minha amiga, quer conhecê-la?

- Não, quero dizer, depois. Agora me diz, é possível mesmo nunca mais engravidar, se praticar um aborto?

- É sim, eu soube em uma palestra, na escola, ano passado.

- Posso conhecer o filho dos teus amigos?

- Pode sim, vou chamar...

- Carla! Esses são Lula e Amanda, e o menino, é o Antonio, o filho deles!

- Lula, por que Lula?

- Porque ele falava tudo errado na escola, como o presidente. Mas veja só, o Toni, dois aninhos! Começou a andar há pouco tempo, e já corre desse jeito!

- Então, Carla, faça uma pergunta, pra a mãe do Antonio...

- Como é, Amanda... Estar grávida?

- É legal, quando eles chutam demais, até dói mas, é uma sensação tão gostosa, no primeiro chutinho então... É tão bom sentir que ele está vivo, em você, entende? Quando você engravidar, vai entender.

- Já estou grávida... Assim como a Rafaela, que acabei de conhecer.

- Ela pensa em abortar, acredita, Manda?

- Por que?

- Pelo meu corpo, e também por sentir medo de perder meus amigos, ficantes...

- Ficantes passam, amigos verdadeiros vão ser como aquela rodinha ali, que vem ao parque conosco, enquanto o Antonio brinca. E o corpo, volta ao normal, basta você cuidar.

- No que está pensando, Carla?

- Que acho que quero jogar essas pílulas fora, ligar para meu namorado e dizer a boa notícia...

Amanda e Rafaela dizem, juntas:

- BOA NOTÍCIA?

- Sim, minha mãe já desconfiava. Lá na minha casa estão calmos, e depois de ver esse menininho correndo, acho que aprendi. Entendi, de repente, sobre o presente que ganhei por conseguir ser mãe, e que terei de ser tão boa quanto vocês.

A tarde foi passando, e as moças continuaram a conversar, sobre os nomes para as crianças, e planos para os filhos brincarem, juntos, algum dia...

Gianne Lorena
Enviado por Gianne Lorena em 28/10/2009
Reeditado em 06/06/2015
Código do texto: T1891278
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