[Restos da Madrugada]

[História mais enrolada... nem eu a entendo - falta lucidez, ou tem demais...]

Madrugada.

Volto para casa

e o canto rouco de um galo —

esse profeta da infelicidade,

como queria o romano Petronio —

acorda-me na mente um morto estranho,

um morto que eu nunca vi!

A palavra é inevitável:

eu pereço... pois estou vivo!

É Petrônio que diz ainda:

é preferível crucificar o morto

a deixar perecer o vivo!

Certamente, quando eu morrer,

deixarei todos os meus mortos

morrer de... inanição, pois,

faltar-lhes-ão a madrugada,

os galos, e um bêbado noctívago!

Meu cérebro é um tumulto;

a minha situação mental é grave,

pois o morto que foi acordado

a esta hora da madrugada,

quem era, quem foi...

eu não sei, e nem conheci!

Afinal, já morreu tanta gente

desde que o mundo é mundo...

Por que este haveria de contar

entre os mortos que estão

a bordo da minha escura nave?

Mas esse morto desconhecido

vem de Minas, como eu...

Eu até vi a sua foto na parede,

mas não me lembro..

Pois foi aí que me lembrei

do meu amigo Luiz Antonio,

de apelido Zé Lobo,

aquele, que tinha um cão

baixote, mas forte, chamado

carinhosamente de Tiberricida.

Zé Lobo dizia que o mais triste

que lhe ficou na lembrança

do velório do pai dele

foi ouvir, na madrugada de Araxá,

o canto dos galos, todos eles;

anunciadores de mais um dia,

portanto, mais um risco feito

no cabo do facão da Morte.

Zé Lobo e o seu Tiberricida,

[quem mais inventaria um nome assim?!]

em que mundos, sob que céus...

Onde andam, não sei; o Zé, talvez...

Mas o Tiberricida, certamente não!

E a foto na parede, também não mais;

existe apenas na minha mente!

Petrônio tinha razão...

quando baixei o vidro do carro,

um galo cantou, ao longe, e trouxe

toda essa minha infelicidade —

revi o meu amigo, revivi o seu cão Tiberricida,

e neste instante, o morto do meu amigo

tornou-se meu morto, e os seus olhos

olharam-me a partir daquela foto na parede!

Como posso crucificar de vez esse morto?

Tem jeito de ele não voltar mais?

Ah, que tinha eu de beber tanto assim...

meter-me nessa confusão com galos,

Petronio, o Satiricon... e eu, sozinho,

vendo mortos estranhos na madrugada...

Quando, quando hei de ter juízo?!

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[Penas do Desterro, 24 de outubro de 2009]

Carlos Rodolfo Stopa
Enviado por Carlos Rodolfo Stopa em 28/10/2009
Reeditado em 10/07/2012
Código do texto: T1891228
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