Para ficar sem você
(ou Um Poema para se aceitar a Solidão)
Para ficar sem você eu troco os lençóis da cama, escovo os dentes, penteio cabelo, calço as sandálias, ando pela casa, abro as janelas e olho dia. Para ficar sem você.
Para ficar sem você eu tomo um café preto e acendo mais um cigarro, ponho água na samambaia, varro o chão, lavo a louça de ontem, faço um macarrão e mato a fome e a sede. Para ficar sem você.
Para ficar sem você eu ponho a roupa de molho, água no filtro, arrumo os livros na estante, não ouço música e nem leio poemas, para ouvir ainda mais o silêncio. Para ficar sem você.
Para ficar sem você eu mantenho os papéis e livros sobre a mesa, atento a uma sorrateira inspiração, não escrevo cartas, não telefono, não saio de casa nem para ir à padaria ou à farmácia, recosto-me na poltrona e fico vendo a dança das árvores com a música do vento e cochilo. Para ficar sem você.
Para ficar sem você eu corto as unhas e limpo as orelhas, procuro não sei o que nas gavetas, reviro as caixas no armário, dobro as roupas sem passar, para passá-las sabe-se lá quando e passo o dia sem fazer nada. Para ficar sem você.
Para ficar sem você eu escolho os pensamentos, não pronuncio seu nome na mente, nem o escrevo nas paredes ou nas árvores do parque, leio quadrinhos, olho a rua pela décima vez, o céu azul por detrás dos prédios, procuro uma palavra no dicionário. Para ficar sem você.
Para ficar sem você invento motivos, evito lembranças, elimino esperanças, imagino desculpas, adivinho respostas e não faço absolutamente nenhuma pergunta, nem as mais imprescindíveis, nem as inevitáveis, nenhuma. Para ficar sem você.
Para ficar sem você eu aprendo a morrer quando o dia amanhece, e não viver o que não se esquece, não acreditar no futuro e sentir intensamente o que é somente o agora. Para ficar sem você.
Para ficar sem você eu escolho palavras, ensaio gestos, disfarço expressões, dispenso impressões, entrego-me a uma só emoção e invento e reinvento todo dia toda a solidão. Para ficar sem você.
Para ficar sem você eu olho a rua e a porta (e tudo o que não se mexe), contemplo paredes sufocantes, piso um chão incandescente, tomo um banho escaldante, eu penso em tudo como era antes, exumo momentos distantes, ouço violinos fictícios, deixo-me hipnotizar pela respiração. Para ficar sem você.
Para ficar sem você eu aceito o impossível, creio no inexplicável, entrego-me ao insustentável, sobrevivo ao insuportável e nego tudo o que me é negado. Para ficar sem você
Para ficar sem você eu aceito o inesperado, espero o inaceitável, encaro o inevitável, pasmar diante do inconcebível, concebo o impossível. Para ficar sem você.
Para ficar sem você eu vejo a tarde cair fresca e entrar pela janela, sinto as horas passarem apressadas indo dar no meio de nada, e mesmo com todo o medo, sinto o tempo devorar a vida, até que mais nada se possa pensar ou fazer a tempo. Para ficar sem você.
Para ficar sem você eu sei que tenho que saber ignorar todos os telefones públicos, ter uma péssima memória para números, uma desorientação para lugares, ter uma estrita disciplina para ir aonde somente tem que ir e não saber nunca procurar. Para ficar sem você.
Para ficar sem você eu aprendi a escrever no escuro, tive que esquecer todos os caminhos, abrir mão de todas as manias, isentar-me de todos os caprichos, tive que importar-me muito pouco comigo mesmo. Para ficar sem você.
Para ficar sem você não vou a duas festas de três e nem a terceira, dispenso o convite que a noite me faz para dormir, entrego-me à madrugada – essa tão má companhia – a andar a esmo, pelo simples gosto de perder-me. Para ficar sem você.
Para ficar sem você eu equilibro no ar histórias da infância, com pipas em céus azuis, mundos distantes nos quintais, e ando na corda bamba dos sonhos da mocidade, um coração de sete andares – e tantas moças, suas moradoras -, as noites e os bailes e uma música apropriada para cada lembrança. Para ficar sem você.
Para ficar sem você eu tenho que tão perto me fazer bem distante, aplacar todo o desejo, apagar de qualquer sentimento toda a chama, querer nada e contentar-me com tanto nada e esvaziar-me ainda mais, tenho que ser o que não quero e querer o que não sou. Para ficar sem você.
Para ficar sem você há Beethoven e Vivaldi e seus violinos, há dentro de mim um menino, meus brinquedos preservados no sótão de todas as lembranças, todos os contos de fadas que falam de esperança, um porão de sonhos escondidos, um terreno baldio de segredos ajuntados, há um eu olhando do topo da vida para o outro lado. Que não tem nada. Para ficar sem você.
Para ficar sem você eu vou ficando, fazendo tudo como se fosse para ficar sem você, vou sonhando, sorrindo a toa, dançando, cantando, vou esperando amanhecer um dia, passarem as horas, vou brincando de esquecer, vou achando que tudo o que faço é para ficar sem você, vou aquietando meu coração acelerado, vou pondo tudo de lado e vou sentindo que estou fingindo que estou mentindo que é tudo para ficar sem você. Quando me escapa esse grito inevitável, indisfarçável: quero ficar com você.
(ou Um Poema para se aceitar a Solidão)
Para ficar sem você eu troco os lençóis da cama, escovo os dentes, penteio cabelo, calço as sandálias, ando pela casa, abro as janelas e olho dia. Para ficar sem você.
Para ficar sem você eu tomo um café preto e acendo mais um cigarro, ponho água na samambaia, varro o chão, lavo a louça de ontem, faço um macarrão e mato a fome e a sede. Para ficar sem você.
Para ficar sem você eu ponho a roupa de molho, água no filtro, arrumo os livros na estante, não ouço música e nem leio poemas, para ouvir ainda mais o silêncio. Para ficar sem você.
Para ficar sem você eu mantenho os papéis e livros sobre a mesa, atento a uma sorrateira inspiração, não escrevo cartas, não telefono, não saio de casa nem para ir à padaria ou à farmácia, recosto-me na poltrona e fico vendo a dança das árvores com a música do vento e cochilo. Para ficar sem você.
Para ficar sem você eu corto as unhas e limpo as orelhas, procuro não sei o que nas gavetas, reviro as caixas no armário, dobro as roupas sem passar, para passá-las sabe-se lá quando e passo o dia sem fazer nada. Para ficar sem você.
Para ficar sem você eu escolho os pensamentos, não pronuncio seu nome na mente, nem o escrevo nas paredes ou nas árvores do parque, leio quadrinhos, olho a rua pela décima vez, o céu azul por detrás dos prédios, procuro uma palavra no dicionário. Para ficar sem você.
Para ficar sem você invento motivos, evito lembranças, elimino esperanças, imagino desculpas, adivinho respostas e não faço absolutamente nenhuma pergunta, nem as mais imprescindíveis, nem as inevitáveis, nenhuma. Para ficar sem você.
Para ficar sem você eu aprendo a morrer quando o dia amanhece, e não viver o que não se esquece, não acreditar no futuro e sentir intensamente o que é somente o agora. Para ficar sem você.
Para ficar sem você eu escolho palavras, ensaio gestos, disfarço expressões, dispenso impressões, entrego-me a uma só emoção e invento e reinvento todo dia toda a solidão. Para ficar sem você.
Para ficar sem você eu olho a rua e a porta (e tudo o que não se mexe), contemplo paredes sufocantes, piso um chão incandescente, tomo um banho escaldante, eu penso em tudo como era antes, exumo momentos distantes, ouço violinos fictícios, deixo-me hipnotizar pela respiração. Para ficar sem você.
Para ficar sem você eu aceito o impossível, creio no inexplicável, entrego-me ao insustentável, sobrevivo ao insuportável e nego tudo o que me é negado. Para ficar sem você
Para ficar sem você eu aceito o inesperado, espero o inaceitável, encaro o inevitável, pasmar diante do inconcebível, concebo o impossível. Para ficar sem você.
Para ficar sem você eu vejo a tarde cair fresca e entrar pela janela, sinto as horas passarem apressadas indo dar no meio de nada, e mesmo com todo o medo, sinto o tempo devorar a vida, até que mais nada se possa pensar ou fazer a tempo. Para ficar sem você.
Para ficar sem você eu sei que tenho que saber ignorar todos os telefones públicos, ter uma péssima memória para números, uma desorientação para lugares, ter uma estrita disciplina para ir aonde somente tem que ir e não saber nunca procurar. Para ficar sem você.
Para ficar sem você eu aprendi a escrever no escuro, tive que esquecer todos os caminhos, abrir mão de todas as manias, isentar-me de todos os caprichos, tive que importar-me muito pouco comigo mesmo. Para ficar sem você.
Para ficar sem você não vou a duas festas de três e nem a terceira, dispenso o convite que a noite me faz para dormir, entrego-me à madrugada – essa tão má companhia – a andar a esmo, pelo simples gosto de perder-me. Para ficar sem você.
Para ficar sem você eu equilibro no ar histórias da infância, com pipas em céus azuis, mundos distantes nos quintais, e ando na corda bamba dos sonhos da mocidade, um coração de sete andares – e tantas moças, suas moradoras -, as noites e os bailes e uma música apropriada para cada lembrança. Para ficar sem você.
Para ficar sem você eu tenho que tão perto me fazer bem distante, aplacar todo o desejo, apagar de qualquer sentimento toda a chama, querer nada e contentar-me com tanto nada e esvaziar-me ainda mais, tenho que ser o que não quero e querer o que não sou. Para ficar sem você.
Para ficar sem você há Beethoven e Vivaldi e seus violinos, há dentro de mim um menino, meus brinquedos preservados no sótão de todas as lembranças, todos os contos de fadas que falam de esperança, um porão de sonhos escondidos, um terreno baldio de segredos ajuntados, há um eu olhando do topo da vida para o outro lado. Que não tem nada. Para ficar sem você.
Para ficar sem você eu vou ficando, fazendo tudo como se fosse para ficar sem você, vou sonhando, sorrindo a toa, dançando, cantando, vou esperando amanhecer um dia, passarem as horas, vou brincando de esquecer, vou achando que tudo o que faço é para ficar sem você, vou aquietando meu coração acelerado, vou pondo tudo de lado e vou sentindo que estou fingindo que estou mentindo que é tudo para ficar sem você. Quando me escapa esse grito inevitável, indisfarçável: quero ficar com você.