CARTA CHORONA DO ANDEJO SUJO DE TERRA

Choro por ti, minha pátria gaúcha, arrinconada na memória, ao ouvir os bordoneios de uma gutural milonga. O berro do boi e o roçar do capim santa-fé solapam o destino andarilho.

O tempo de viver anda curto e a andança não é a mesma, aquela de "correr o chinaredo". Bebo água nas cacimbas do amor à terra e gente brasileiras. Este povaréu miúdo de escolas de saber universal canta o sofrimento da fome. O barro amassado é china rebolcada, lobuna de serenos, chuvas nos corredores. É grossa a sola dos pés e unhas crescem gretadas de pó sobre elas próprias.

Estou longe das veredas, grotões de carretas e ventos conhecidos. O minuano e o pampeiro não sopram aqui em São Paulo, o coração motriz do Brasil.

Tomo o mate-chimarrão da saudade no canto campechano de Lisandro Amaral, terrunho cantador cuja voz trouxe comigo na mala-de-garupa. A inspiração corre aos pulos nas artérias e veias.

A celebrada pátria gaúcha crava bandeiras, lanças ancestrais mortiças de sal e glórias. Amarga é a saudade de ti, meu Rio Grande reiúno.

Anseio pelo sol do amanhã, nesta hora em que mastigo o pasto guardado de invernos. Guio e tanjo meus novilhos fugidos. Não há toco de vela pro Negrinho do Pastoreio. Os fetiches se cansam além das fronteiras do Rio Grande. Só a estrela boieira sabe de amores e de liberdade.

Não há canseira nem soalheira que afogue os temores de ser. Por isso a vida é um bater de cascos. Os ideais de Pátria não se desgarram. Fogoneiam na vincha sobre a melena ao vento. A tropilha das idéias possui alma e não tem preço.

Cincerros tilintam no caminho feito, repontando a tropa dos desejos de amar o que é puro e verdadeiro. E como me faz bem chorar a tua ausência! É amarga a saudade de ti, meu Rio Grande de Deus.

E antigos paus-de-fogo, ancestrais fogões votivos, pigarreiam no mate-amargo a baba das vivências.

– Do livro CONFESSIONÁRIO - Diálogos entre Prosa e Poesia /EU MENINO GRANDE. Porto Alegre: Alcance, 2008, p. 295.

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