LETARGIA

Arregalados os olhos

Admirados olham o quadro não pintado

E na parede descascada pelo tempo

Sem tinta outrora rosada

Um alguém da varanda olha

No asfalto o corpo imóvel está.

Quem será ou quem seria?

Resposta sem certeza se balbucia

E curiosos inventam suas versões

Que já não se conhece o início

E o fim é o corpo rígido.

Um coitado?

Um operário?

Um mendigo?

Não se mostra a vergonha nacional.

Às caras atentas os carros olham

Não param o trânsito diário

E o rádio que inventa notícias

Já não dá horóscopo nem número de loteria.

Enfeitada como pavão no cio

A dondoca palavras bonitas pronuncia

E desconhece a rudeza da roça

Vai às compras das grifes que nada acrescem.

E zombam a miséria alheia

Não se reconhece naqueles os seus

Mortais na vida real

Porque só na academia que imortaliza o poeta.

E o chá das cinco em porcelana se serve

Os bombocados na Colombo comprados

Adoçam as células da língua imortal

Mas não eliminam o fel que é a vida diária.

Que sejam imortalizadas as obras e os autores

Que se produzam os versos camonianos

E os Pessoas que aqui habitam

Nos trazem o Tejo e os Rebanhos e as Tabacarias.

E a massa humana caminha

Ao ponto a estação e à plataforma

Nos aeroportos se verificam os dados

E se caminham às poltronas numeradas.

E ao fim do mês cansado chega

Para a poucos dias receber a paga

E voltar ao começo para o fim e o começo

E esquecer o corpo que jaz no chão.

Porque amanhã será outro dia.

silvio lima
Enviado por silvio lima em 15/10/2009
Código do texto: T1866909
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