Ensaiando a Vida

Estou num tal estado de beira de porta em que nunca se cai e eu caí. Ficar assim é de uma liberdade tal que me transtorna e me transforma num monstro, porque estou como casa vazia e meus ecos só vibram em mim. Estou assim... no meio meio. Sabendo e decidindo querer qual, dá-me tal aleluia de coragem que me espeta os olhos. Mas meu grito, que é grito sujo, se banha muito além das frestas de almas límpidas que não me querem e vem pra minha garganta. E eu sou doida? Porque me dei a mim com tanta paixão que me perdi, e fui cair em você, logo em você? Ah! Estranha felicidade aos poucos me conhece e me leva a preces, preces que nem sei fazer... Mas sou doida? Como a loucura nas mãos pesadas, ao passear a testa molhada na valsa que não se dançou comigo? Chamas-me para uma dança que não bailas, porque não podes me embalar? Mas oh! Estupidez! És eterna? Quem me nina, desde menina, não sou eu? Terror do meu espírito que habita minhas entranhas, por que corres sem cessar por minhas veias, minhas entranhas? O universo num repente fica mínimo e não te esconde da minha mente, mas fujo tanto aos teus olhos... Estou como garça solta... Vazia, sem asas, com nada. Mas sou! Sei sim que sou! Quase sã, um resto de louca. Ah amor torto! Faz-me brincar, brilhar e brindar cada pavor de vida sem você. ...Fim de fantasia... Logo amanhece outro dia e o sol está lá, sempre lá. E tudo é o mesmo lugar. É! Salva-me, livra-me de um dia após o outro. O amargo desce da minha garganta e encontra seus escorpiões a me acalentar os venenos. ...A vida vem... As teias de aranhas repousam nos cantos dos quartos. Unhas compridas vão passeando minha falta de alma aflita. As marés levantam-se... Vem passear além das praias, desabando nas ruas que vejo. A ilógica sequência do tempo me capta e não me solta sem os arranhões dos instantes. Vou sendo tique-taque... tique-taque... Relógio adiantado que vai se atrasando e paro, quase cedo. Vem o medo cavalgar minhas ideias. Meus sentidos se perdem no galope. Grito, grito alto, surdo, ritmado. Você quer. Sei que quer e isto me salva. Salva-me de mim que sou trapézio solto e serei teu ar, teu trampolim. Você há de cair em mim e eu serei teu abismo. Você é o nada, o vazio que me dá tonturas. Já é quase... Dei-me à madrugada. Teus olhos são cegos, tua carne não me sente, ou tua mente não me consente? Um fio está esticado de lado a lado na noite e transpassa minha cabeça.

Vibro cada nota dos teus dedos. Tua vida treme minha existência. Teu não saber balança o que aprendi. E aprendi você, para me prender em ti, mas só me perdi.