MATOU A FAMÍLIA E FOI AO CINEMA
Matou a família e foi ao cinema
E sem o sentimento do remorso
Comprou seu ingresso e sua pipoca
E sentou-se.
Vibrou como uma criança ante ao herói que vence
E riu dos vencidos com suas caras de medo
E bebeu seu refrigerante favorito.
Ao fim da projeção não saiu
Em estado letárgico ficou a olhar
O letreiro anunciando os nomes dos atores.
Possuído da fome não saciada pela pipoca
À praça de alimentação grande fila enfrenta
E de bandeja equilibrada como fazem os garçons
Depois de muita procura encontra uma mesa
E saboreia seu lance com a gula dos famintos
Que em noites de natal nada tem
Nem uma companhia nem que seja
Um parco banquete porque a rua sua casa é.
Feliz com o dia que tivera
Volta a casa e entra
A sala escura e abandonada
Das vozes antes ali presentes
O silêncio denuncia ausências.
E caminhando pelos cômodos restantes
Só se depara com o vazio
Nos quartos as roupas passadas
Nos armários caprichosamente guardadas estão
E sobre a cama um álbum de fotos mostra
Pessoas queridas e crianças felizes
Não consegue montar as partes rasgadas
E chora
Porque ali matara sua família e seus tempos queridos
Revisitando a memória trazia
Saudades dos tempos que não voltam mais.
Ali ficou e dormiu
Se sonhou?
Nunca disse e mudamente
Observa da janela as manhãs
E as crianças das ruas donas
E volta aos seus pensamentos
E a janela se fecha.