PRIMAVERA, O HÁLITO

O sol veio nos visitar com a sua cara de laranja-de-umbigo. O jardim, de rosto lavado pelas recentes e insistentes chuvas, é um corpo moreno com algumas manchas na pele. Os olhinhos se abrem, mostrando cores diversas. São flores que escondem com pudor a nudez. Algumas orquídeas presas nos troncos mortos parecem fazer a ressuscitação deles e abrem suas ventosas. A Primavera ocupa até os meus pulmões com um hausto perfumado. Pobre de meu nariz asmático que não tolera cheiros fortes! Porém, quando o Maior manda, o vivente obedece. Salve, ó Pai de Tudo! Bendize-me com tuas cores, que as palavras amontoadinhas vão fazendo suas estripulias. Enviaste um buquê de damas-da-noite e me revolvo no milagre dos cheiros. Cada palavra tem o seu hálito.

– Do LIVRO DOS AFETOS, 2005/2009.

http://www.recantodasletras.com.br/prosapoetica/1829214