[A Tua Presença me Devora]

Estou atacado sim, mas é do Tempo...

o meu olhar morre nas cotidianidades —,

o brilho da torneira do banheiro,

o corte das facas,

o brilho dos talheres,

a casa deserta,

o alarido das pessoas,

a janela fechada,

o ruído das ruas,

o volante do carro,

a estrada para o ócio

que passa ao lado do trabalho...

Ah, o mundo me está matando...

da ácida corrosão do tempo!

Mas o pior, o mais dolorido,

é que eu morro também de ti...

chega a ser insuportável essa tua doçura,

essa tua lhaneza, essa tua voz lúbrica,

esse teu senso de partilhar comigo

os azares da dor e os acmes de prazer!

Sim, estou atacado de tua presença,

pois sei estás num outro tempo,

e tenho de me conformar com isto —

tenho de inventar uma saída desta vida...

ah, se isto fosse possível... sim,

há uma saída, mas e a coragem...

Mas enquanto isto, tua presença me devora!

Lido mal com o tempo,

com a idade me devorando,

com simples passar dos dias...

e com os sintomas desse ataque —

o olho esquerdo,

a perna direita... não;

a perna ainda está boa;

mas e o coração - uma bomba?!

Estou atacado do tempo, eu sei —;

a tua amável presença em minha vida

lembra-me de que a vida é perda,

dura lição que estou a aprender!

[Penas do Desterro, 14 de setembro de 2009]

Carlos Rodolfo Stopa
Enviado por Carlos Rodolfo Stopa em 17/09/2009
Reeditado em 22/04/2012
Código do texto: T1814799
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