[A Tua Presença me Devora]
Estou atacado sim, mas é do Tempo...
o meu olhar morre nas cotidianidades —,
o brilho da torneira do banheiro,
o corte das facas,
o brilho dos talheres,
a casa deserta,
o alarido das pessoas,
a janela fechada,
o ruído das ruas,
o volante do carro,
a estrada para o ócio
que passa ao lado do trabalho...
Ah, o mundo me está matando...
da ácida corrosão do tempo!
Mas o pior, o mais dolorido,
é que eu morro também de ti...
chega a ser insuportável essa tua doçura,
essa tua lhaneza, essa tua voz lúbrica,
esse teu senso de partilhar comigo
os azares da dor e os acmes de prazer!
Sim, estou atacado de tua presença,
pois sei estás num outro tempo,
e tenho de me conformar com isto —
tenho de inventar uma saída desta vida...
ah, se isto fosse possível... sim,
há uma saída, mas e a coragem...
Mas enquanto isto, tua presença me devora!
Lido mal com o tempo,
com a idade me devorando,
com simples passar dos dias...
e com os sintomas desse ataque —
o olho esquerdo,
a perna direita... não;
a perna ainda está boa;
mas e o coração - uma bomba?!
Estou atacado do tempo, eu sei —;
a tua amável presença em minha vida
lembra-me de que a vida é perda,
dura lição que estou a aprender!
[Penas do Desterro, 14 de setembro de 2009]