Um jeito PARAUARA de ser...
Um jeito PARAUARA de ser...
Só não nasci em montaria, mas cheguei ao lar pequenininha, cruzando essas baias revoltas, minha mãe me protegia a canoa quase virava não consegui chegar ao porto, encostou-se à praia ao longe. Caia o céu em chuvas, chegava em meio às águas.
Chegava.
Vinha, filha das águas.
Amazonida genuína, clara na cor, de alma morena.
Vim e vivi meio aos afluentes, um Rio Amazonas inteiro cabe no meu prantear.
Brincando na praia só sabia dormir ouvindo os barulhos do mar.
Barulhos esses que interviriam, até hoje pactuam com o meu imaginar. Os ouço sempre, sem precisar na concha por os ouvidos.
Tenho o calor das terras daqui, de afetos sedenta, recrio todas as lendas, já que com elas vivi.
Conheci Matinta-Perêra, dela sempre ouvi o gralhar, ao olhar-me era Mãe D’água no leito do rio, nas florestas estreitava laços com Curupira, Boitatá.
Meus olhos habituaram-se ao verde, do qual era cercada, guardo a vastidão do Mururé e nos cabelos a for da Vitória-Régia.
Enfeitei-me com colares de conchas e bole-bole. Com Tabatinga esculpia os sonhos.
Marajoara ou Parauara?
Ambas afirmo que sou. Do Marajó a cabocla que resta em mim. Do Pará a Índia
desconfiada, crente, cheia de mitos, superstições. Da terra germinada de sementes.
Beber e banhar-me: Açaí, Tucupi, tenho nos olhos a tentação de ver o sol se por na Estação, de Ver-o-Rio, de Ver (da baia) o Peso de ser nascida neste moreno quintal.
Desculpem-me os alvos de pele, mas a morenidade daqui acontece, brilha, luzindo meio ao suor do dançarino de Carimbó. Há que querer enlaçar-se e ao amor do Boto se dar, sob a luz da lua que se espelha no Guamá. Ao som do vento que vem de lá.
Em mim também há um Andor para carregar, um amor intenso pela Mãe a louvar... Samaúma, periquitos, maçã do amor... Revoadas do meu caminhar....
Aqui meus afetos estão impressos, sinto-me mais terra, semente, cheirinho de Priprioca, Patchouli.
Aqui sou mais Murucí do que Flor,
Sou tucumã, tapioca...
Qual Pimenta-de-Cheiro queimo. Qual Manga-Rosa adoço...
Ambas amarelas... Cor da energia do Sol do meu verão, dos Girassóis de Van Gogh que também me alucinam. Mas esta já é uma outra conversa...
Adendo:
MATINTA - PERÊRA - Personagem do lendário popular regional Matinta Perera, Matinta Pereira, MatiTaperê, Mat-Taperê, Matim_Taperê, Titinta-Pereira são algumas formas de grafar este mito como sendo uma velha acompanhada de um pássaro que emite um assobio agudo, à noite, que perturba o sono das pessoas e assusta as crianças, ocasião em que se oferece tabaco o fumo (aparece como promessa principal), mas também pode ser alimento.
MÃE D’ÁGUA - Iara ou Uiara (do tupi 'y-îara "senhora das águas") ou Mãe-d'água, segundo o folclore, é uma sereia. De pele morena clara e cabelos negros, tem olhos verdes e costuma banhar-se nos rios, cantando uma melodia irresistível. Os homens que a vêem não conseguem resistir a seus desejos e pulam nas águas e ela então os leva para o fundo do rio, de onde nunca mais voltam.
BOITATÁ - O Boitatá é uma gigantesca cobra-de-fogo que protege os campos contra aqueles que o incendeiam. Vive nas águas e pode se transformar também numa tora em brasa, queimando aqueles que põem fogo nas matas e florestas.
BOTO - Personagem de grande importância na mitologia amazônica, principalmente no Pará. O boto é tratado como sedutor irresistível.
BOLE- BOLE - Um outro nome dado à semente Olho-de-Boi, geralmente encontrada em matas próximas a praias.
TABATINGA - Espécie de argila encontrada em pântanos. No Marajó achada na beira das praias, serve para moldar.
MURURÉ - Lago na margem direita do Madeira, Rondônia. Planta aquática medicinal.
PARAUARA - designativo gentílico do nascido no Estado do Pará. Mesmo que paraense. Vem do tupi para’wara, que quer dizer: o que nasceu das águas (do rio-mar).
ESTAÇÃO DAS DOCAS - Complexo Turístico gastronômico e Cultural em frente à Baia do Guajará.
VER-O-RIO - Complexo turístico na Orla da Baia do Guajará, uma espécie de Praça Pública.
CARIMBÓ - Tambor de origem africana; Na ilha de Marajó é samba-de-roda com violas e instrumentos de percussão.
PRIPRIOCA - A priprioca ou piripirioca (Cyperus articulatus L.), é uma espécie ciperácea, aromática e medicinal, que ocorre natural na Amazônia. Da mesma família do junco e do papiro, suas raízes exalam uma fragrância incomum, leve, amadeirado e picante. É um dos perfumes mais tradicionais da Região Amazônica.
PATCHOULI - Da família das labiadas. É um arbusto pequeno de folhas carnudas, das quais se extrai um óleo essencial aromático, empregado em perfumaria e tabacaria. Originária da Ásia e da Oceania é cultivada no Brasil. De aroma forte é agressivo para algumas pessoas, mas tem seu aroma considerado por muitos como relaxante. Afasta o mal e o negativo.
TUCUMÃ - (do Tupi tuku'mã): Palmeiras cuja fibra, o tucum, se utiliza para fazer redes de dormir, de pescar e cordas. Dos frutos são feitos óleos comestíveis e deles uma espécie de vinho.
GUAJARÁ - (do Tupi waia'rá): Árvore grande e frondosa, de sombra, cultivada pelos indígenas brasileiros. É freqüente no Pará, em hortas caseiras.