Uma calça roxa à espera de um cadáver

Ela estava usando uma calça roxa. Achei legal. E eu bancando o superman com minha camisa de nerd-cult-pseudo-intelectual-fashionista, quase cheguei voando. Óculos azuis. Gosto desses óculos azuis. Ou são verdes?

Logo de cara, ela foi dizendo que queria me mostrar uma coisa super máscula. Paramos na vitrine da loja em questão, eu já ressabiado.

Eu devia ter imaginado. Um manequim enfiado numa cueca box vermelha. Olho para ela com cara de espanto abismal e surpresa desiludida, ao quê ela retruca:

_Vou colocar você dentro de uma dessas.

Apavorado e animado com a informação, arrasto ela (ou melhor - ela me arrasta) para a cafeteria mais próxima. Ela pediu uma coisa estranha com café e sorvete, eu acho. Tinha uns alpistezinhos também. E um canudinho que dividimos fofamente, apesar da gripe suína pairando pelo mundo.

Quem se importa com gripe suína quando se está no cantinho escuro de uma cafeteria dividindo uma bebida estranha de café gelado e alpiste com a garota de calça roxa que você estava morrendo de saudade?

Foi aí que a perfeição mostrou os chifres.

_Seu cabelo está grande, liso, bonito... cê num tinha cabelo liso.

_Como não? Claro que tinha .... rsrsr... mas eu usava um moicano, né? Agora deixei ele crescer.

_Não pode ser verdade.

_Mas hein?

_Não pode ser de verdade. Você fez chapinha e escova?

_Claro que não!

Ela me olha com o olhar afiado:

_FEZ SIM! - e começou a puxar o meu cabelo.

_Qual é? É inveja? Quer resolver isso lá fora??

_EHE. Você não tem cabelo de homem. Tem cabelo de mulher.

_Que absurdo é esse? Como assim tenho cabelo de mulher? E tem diferença, não é tudo cabelo não?

_Homem tem cabelo crespo e maltratado. O seu é liso e parece um comercial de xampú.

_Quê? Agora o nível de testosterona faz o cabelo ficar crespo?

_Só estou dizendo que cabelo assim é o sonho de toda mulher.

_hmm... isso foi um elogio?

_Mais ou menos.

Deixamos isso quieto e partimos para coisas mais urgentes. Chocar os dentes, por exemplo. Daria uma bela comédia romântica, daquelas que se faz na Inglaterra. A cada três tentativas de beijo bem sucedidas, era pelo menos uma chocada de dentes. Boca demais, lingua demais, sei lá. Tava gostosa aquela orgia salivar, mesmo caindo na risada a cada tok! que vira e mexe se ouvia.

Decidimos tirar fotos. Claro, o que é um encontro desses se não for documentado? O mundo precisa de provas contundentes de que esse encontro de dois seres desajustados aconteceu de verdade, não precisa?

A questão é: Cadê a porra da câmera? Tipo, está na bolsa dela, ela sabe disso. O problema é que tem trilhões de coisas diferentes na bolsa dela. Objetos estranhos e outros nem tanto, embalagens de produtos esdrúxulos e itens obscuros, como um pote de vidro que parece ter saído de um ritual celta de adoração à Lua. Uma blusinha de estampa engraçada, uma caizinha, carteira, mais coisas indefiníveis e, por deus, cadê a maldita câmera?

Enquanto ela virava, revirava e quase se perdia dentro da própria bolsa, decidi colocar janis Joplin pra cantar. Conectei o fone no ouvidinho dela e o outro fone no meu. Apertei o play. Teria sido realmente lindo se ela ou eu conseguíssemos ficar pelo menos vinte segundos sem esbarrar em alguma coisa ou derrubar algo. Não demorou muito e desistimos da música.

mas achamos finalmente a câmera.

Quatorze tentivas de tirar fotos de nós mesmos depois, salvaram-se algumas decentes ou ligeiramente bem enquadradas.

_A gente tira foto se beijando? - pergunta ela.

_Faço que sim com a cebeça, ao mesmo tempo que dizia não com os olhos e fazia um sei lá com os ombros. Na verdade eu queria sim. Mas ela é a incrível mullher da calça roxa e eu sou só o escritor com a camisa do superman. Ela é minha kryptonita.

Decidimos tentar. O que nos levou a continuar tentando por um bom tempo. E tentamos mais um pouco. Até desisitirmos de tirar fotos nos beijando, largamos a cãmera de lado e ficamos só nos beijando.

E foi assim.

Só não engoli essa história de cabelo liso até agora.

Mais tarde, num outro dia, liguei pra ela. Para rir e pergunta se a parte da conversa que não publiquei aqui era verdade. Ela disse que sim, talvez, quem sabe, é uma possibilidade, mas eu não vou conseguir ficar sem sexo por tanto tempo.

Eta guria esperta. Nisso ela tem razão. Mas pelo menos deixamos no ar um gosto de quero mais, muito mais disso.

Encerramos a conversa com um beijo lançado assim, via Oi.

Ela disse que estava na janela de casa, esperando uma ambulância chegar para vestir o jaleco e correr feito criança na rua quando vê o caminhão de soorvete. Mulher mórbida. Dissecadora de cadáveres.

Devia ser cardiologista.

Quer dizer... do meu ela entende.

Felipe Lacerda
Enviado por Felipe Lacerda em 09/09/2009
Código do texto: T1800511
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