CONSTATAÇÃO
Estou cansado da mesmice dessa vida
E a plenos pulmões procuro o ar
Que me falta
E sufoco-me nessa tentativa contínua.
Estou exausto dos discursos que não se realizam
E os sonhos revividos a cada noite
Empurra-me dia a dia
E como numa roda d’água não cessa seu curso.
Estou saturado dos líderes que brincam com o povo
E em seu nome pilham, matam, corrompem e ficam ricos
Já o pão tão necessário não chega às mesas
Famintas daqueles que labutam sem parar.
Estou fastiado da massa que procura líderes
Entregam-lhes seu futuro, suas vidas e sua liberdade
E se esquecem que ao fim do tempo que não se determinou a devolução
O bem já pertencerá àquele por uso capião
E os muros erguidos serão
Para impedir que um desgarrado contamine outras crias.
Estou caminhando para não sei onde
Estou à deriva
Não vejo a luz no fim do túnel
Não há túnel e menos ainda luz.
Estou à espreita na curva esperando o novo século
E falta um século para sua chegada.
Estou na rua
Deserta e fria e soturna
E isso me dá medo
Que penetra como a flecha
Que abate o gavião.
Fico impaciente
Com minha extrema paciência
Que me deixou letárgico
E imóvel
No canto da sala
Como a barata sem saída
Sobe à parede.
E Kafka se apresenta
E se transforma em mim
Naquele que gostaria de ter sido
Nesses tempos que a tudo responde rápido
Como um raio que cai e ilumina a escuridão.
Estou, meus caros senhores
Cheio do povo que precisa dos líderes
Dos seus arroubados discursos e tímidas ações.
Estou exaurindo-me dia-a-dia
Num autoconsumo de tanto pensar
E quanto mais penso
Mais dor de cabeça tenho
E o analgésico já não surte o efeito
Esperado da droga comprada na farmácia aberta 24 horas do dia.
Estou como arqueólogo
Procurando os “por quês” para entender
Esse abstrato-substrato corporificado
Numa massa denominada povo
Que entrega sua vida a aventureiros.
O mar está carregado e lá mais à frente
O iceberg dará sua colisão
E os corpos do povo
Boiarão na água à espera do socorro
E notícia se tornará para mais audiência
Até o próximo intervalo.
Estou farto
Estou morto
Estou ficando amorfo
E qual numa casa de espelhos
Não reconheço o que vejo do outro lado.
Quebro os espelhos e só vejo cacos.