SE TODOS FÔSSEMOS POETAS

Se todos fôssemos poetas falaríamos a mesma língua

Saborearíamos o mesmo nectar

Ao lado das abelhas e dos colibris

Nossos lábios seriam adocicados

E nossa saliva lembraria o samburá.

Nossa voz entoaria o mesmo som da estridência da cigarra

O mesmo piar ou o grito do sagui

E sobejaríamos o sal no lambedor das cabras.

Se todos fôssemos poetas ouviríamos do vento o segredo da chuva

Adormeceríamos no soturno sem sentir solidão.

Se todos fôssemos poetas contaríamos as estrelas todas as noites

Nos banharíamos com a argêntea luz da lua.

Se todos fôssemos poetas não mancharíamos os mares com o sangue das baleias

Nossas almas copulariam

Os rios fariam festas

Os raios nos acolheriam

Uma flor sorria ruidosa com um riso aveludado

As estrelas distantes ficariam enciumadas do nosso amor.

Despertaríamos sem preguiça, sem fome e sem medo

Iríamos ao riacho lavar a timeidez

E retornaríamos mais novos do que quem se banhou no Ganges.

Se todos fôssemos poetas contemplaríamos o sol a despontar

Sem medo do câncer de pele

Do buraco no ozônio

Do augúrio da cartomanate

Ou da cigana que leu em nossa mão suja de barro.

Se todos fôssemos poetas pisaríamos os ramos não as serpentes

Não nos envenenaríamos com sua peçonha

Sentiríamos sua vontade de viver.

Se todos fôssemos poetas

Deixaríamos a capivara devorar nossa plantação

A ferrugem corroer nosso ouro

O chimpanzé andar de mãos dadas conosco

Nos sete-palmos ficaríamos imaginando o que seria quando brotássemos.

Se todos fôssemos poetas não esperaríamos chover maná

Nossas lágrimas regariam os campos

E os gafanhotos poupariam nosso pomar

O amanhã não seria futuro, apenas mais um dia.

Se todos fôssemos poetas beijaríamos nossas namoradas

Amaríamos nossas esposas

Alimentaríamos nossos filhos como os pelicanos.

JOEL DE SÁ

01/09/2009.