[Ah, Essas Bocas...]

Boca mole, lassa,

de bater geléia;

boca dura, híspida,

de gritar pragas da ira;

boca aberta,

quando devia estar fechada;

boca fechada,

quando não devia aprisionar o silêncio;

boca entre-aberta,

na véspera do beijo!

Ah, olho a minha boca,

toco demoradamente os meus lábios,

fecho os olhos, solto os pensamentos,

e viajo para o território das bocas,

[abstraio as outras partes dos corpos]

tenho uma visão focada apenas nas bocas:

das mulheres, antes mais ninguém;

da sedutora da mesa ao lado;

do bêbado a implorar mais uma;

dos políticos no instante da mentira;

do camelô anunciando seus breguetes;

do homem que assalta um homem;

do homem que sofre o assalto;

do homem que perdeu o seu amor;

da mulher colhida por uma boa notícia;

de mulheres e homens... mortos!

Bocas, bocas, bocas - só bocas -

o que mais precisa para:

declarar amor;

declarar ódio,

mentir;

seduzir;

... ... ??

É claro, não se vive apenas

do entra pela boca,

do que sai pela boca.

Vive-se, acima de tudo,

da partilha de um instante,

de amor,

de trabalho,

de dor,

de alegria,

de ... ...

Partilha real e silenciosa,

sem gasto de palavras,

sem matraquear de bocas.

Sim, Sísifo ficaria bem mais feliz

se houvesse alguém para ajudá-lo

a empurrar aquela rocha montanha acima!

[Penas do Desterro, 29 de agosto de 2009]

Carlos Rodolfo Stopa
Enviado por Carlos Rodolfo Stopa em 29/08/2009
Reeditado em 22/04/2012
Código do texto: T1781435
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