[Ah, Essas Bocas...]
Boca mole, lassa,
de bater geléia;
boca dura, híspida,
de gritar pragas da ira;
boca aberta,
quando devia estar fechada;
boca fechada,
quando não devia aprisionar o silêncio;
boca entre-aberta,
na véspera do beijo!
Ah, olho a minha boca,
toco demoradamente os meus lábios,
fecho os olhos, solto os pensamentos,
e viajo para o território das bocas,
[abstraio as outras partes dos corpos]
tenho uma visão focada apenas nas bocas:
das mulheres, antes mais ninguém;
da sedutora da mesa ao lado;
do bêbado a implorar mais uma;
dos políticos no instante da mentira;
do camelô anunciando seus breguetes;
do homem que assalta um homem;
do homem que sofre o assalto;
do homem que perdeu o seu amor;
da mulher colhida por uma boa notícia;
de mulheres e homens... mortos!
Bocas, bocas, bocas - só bocas -
o que mais precisa para:
declarar amor;
declarar ódio,
mentir;
seduzir;
... ... ??
É claro, não se vive apenas
do entra pela boca,
do que sai pela boca.
Vive-se, acima de tudo,
da partilha de um instante,
de amor,
de trabalho,
de dor,
de alegria,
de ... ...
Partilha real e silenciosa,
sem gasto de palavras,
sem matraquear de bocas.
Sim, Sísifo ficaria bem mais feliz
se houvesse alguém para ajudá-lo
a empurrar aquela rocha montanha acima!
[Penas do Desterro, 29 de agosto de 2009]