SINA DE LADRÃO (LUC RAMOS)

SINA DE LADRÃO

(Luc Ramos)

E ai meu irmão? Ta no veneno, né? Lógico! Pô, o cara sai da cadeia, sem lenço, sem documento. O alvará de soltura é a sua passagem na condução.

Sai durinho, sem grana, também... Tava em cana, não trampou, não fez correria.

Somente jogar uma bola e fumar um baseado era a sua alegria.

Tudo bem, tá saindo com a pena cumprida, lá vai outra vez prá vida.

Alvará na mão sai contente, todo sorridente, pela porta da frente, da Casa de Detenção.

Porém meu irmão é grande a sua frustração. Não tem ninguém esperando por ele.

De repente me lembrei de um cara que um dia me falou: Mano, quem na rua é bandido e não tem proceder, deixa apenas vitimas lá fora. É Mano, isso é de doer...

E tem mais, o cara quando saiu ainda teve que ouvir um sapo do Chefe do Pavilhão, um antigão que trabalha há mil anos lá na Casa de Detenção.

- E ai Ladrão? Vocês não têm vergonha, não? Tão sempre no vem e vão, no entra e sai da Detenção. – Até mais ladrão, o bom filho sempre retorna você não vai ser exceção.

O bandido retruca com um silencioso palavrão.

Bem, ele vai nessa, anda depressa, tem muita pressa, sabe que a mina foi trabalhar.

E ela não sabe que ele hoje pra casa vai voltar. Pagou a sua pena. Ta livre pra voar.

Ela? Coitada, leva uma vida de amargar, dá um duro de lascar, pega o trenzão lotado.

Chega ao trabalho com o corpo todo suado, já cansado sem ter o trabalho começado.

Na volta, horário de pico, cólica, Chico, volta em pé, mas feliz e com muita fé.

Amanhã ela tem outro bico, outra faxina lá no Sumaré, isso é bom. Se Deus quiser.

E dentro do trem, naquele vai e vêm, alguns pensamentos na cabeça dela vem...

Pensa no seu macho, seu cacho, um malandro que não vale um vintém.

Porém trata ela bem, ta em cana, não é homem do bem, mas, faz um gostoso neném...

Há o filho dela? Tá bem, mora com a vovó no Belém.

Ta na creche freqüenta a escola, pena que lá também tudo róla.

Tem farinha, tem fumo, tem cola, e no recreio o que menos quica é a bola.

Fazer o que? Nesse mundo o vicio assola.

Chega o anoitecer, e ela esta chegando em casa, depois de muito sofrimento, cansada que nem tem cabimento.

Ufa! Chegou ao cafofo, um tremendo cheiro de mofo, sem nenhum conforto.

Não tem jeito, embora sendo na favela, pelo menos a casa é dela.

Põe à chave na fechadura, ai fica esperta, a porta ta aberta. Surpresa!

Sentado na cadeira, ao lado da mesa, lá esta o maridão, assistindo televisão.

Está solto de novo, que gostoso, que curtição...

Da-lhe um beijo molhado, um abraço apertado, nossa como ele está tarado.

Também pudera, saiu hoje do casarão, da Casa de Detenção. Quanta bolinação.

Sabe, quando ele estava preso, ela com ele sempre rachou muito jumbo levou, não faltou um dia, sofreu... Mas, valeu!

Agóra ela esta feliz, como sempre quis, ele esta de volta, o seu ladrão voltou.

Que legal, hoje o amor vai ser feito na cama de casal. E não naquela jega fria, naquela cela do pavilhão. Hoje a noite vai ser especial, todo o amor dela só pra ele. Um bacanal.

A noite se foi, amanheceu, clareou. Ela foi trabalhar. Ele ficou na cama a cismar...

Pensou, analisou, estava contente com a noitada de amor que com a amada passou.

Meio dia, levantou, se banhou, se trocou.

Ali mesmo na favela, numa outra viela, numa biqueira ele descolou uma muca de fumo, uma toca ninja, um três oitão.

Lá vai ele de volta pra função. A coisa ta preta. Ele é de treta. Ele é ladrão.

Foi procurar antigos parceiros, cadê o Vitinho? Ta em cana. E o neguinho? Ta viciado inconfiável, um nóia, um drama. E o Galo cego, o Nego carrego, Zé do prego? Onde?

Todos pro saco. Nenhuma opção. Todos “vacilão”, que marcação...

Então ele vai sozinho roubar um buzão, fazer o que? Ladrão é ladrão e não tem medo de assombração. Ele precisa de “algum”, ta sem nenhum, saiu da cadeia do jeito que entrou duro e teso, mais uma vez foi preso, e alguns anos a mais de cadeia foi o que ele ganhou. Ainda bem que nessa ultima cana o Juiz não caprichou.

O que? Fazer um vale na Mina dele? Ficou louco Mané? Ele é ladrão, não é cafetão.

Vai até o ponto do Bus, ta até um pouco tonto, ta desacostumado, tanto tempo encarcerado. Poxa, essa cana deixou ele mofado.

AH, lá vem o coletivo, ta lotado, ele treme um bocado, sobe e fica esperando, os passageiros vão saindo, vão chegando, e ele só filmando, esperando...

A condução vai ficando ”manera”. Essa é à hora. Sem brincadeira.

Ele chega à roleta, encosta no cobrador e mostra o cano, desbaratinado.

-E ai Mano? Diz pro cobrador, levantando a camisa e mostrando o turbinado.

O cobrador não faz drama, o cobrador não reclama está acostumado.

Dia sim, dia não, ele naquela linha é roubado.

Lá no fundo do ônibus, no canto, tem um cara, mal encarado.

Esta se coçando, cuidado, cabelo cortado, parece um soldado, ele esta armado!

Cobrador já prevenido se joga no chão, tapa os ouvidos. Ta cheio de gente, alguns estão na frente, e de repente, o cara que ele tinha filmado, o tal é um soldado e nele atira:

-Bang, bang, bang... No alvo, ele nem tinha disparado. Não era esse o desfecho esperado.

Que pena, morrer assim como um simples ladrão. O seu tempo tinha acabado.

Morreu como um marginal, embora também já tivesse matado. Não era esse o esperado.

Poderia ter morrido como um homem honrado, e não como um desgraçado.

Talvez por Deus ele até seja perdoado, quando por ele for julgado.

Mas, neste momento ele é apenas um corpo, um morto transportado, e na sarjeta depositado pelo cobrador e o soldado.

Agora este morto no chão, é apenas um ladrão que ontem saiu da prisão, da Casa de Detenção, e não cumpriu o ditado, que ouviu do antigão: “Que iria voltar pra prisão, porque eles vêm e vão”. Por isso: Adeus Detenção, que sempre foi recreio de ladrão. Agora ele não volta mais não, está morto, num saco preto lacrado e jogado no chão.

FIM By LUC RAMOS