[na caminhada...]
Na caminhada à noite, me voltei para a praia, as águas do mar iam e vinham, as ondas falavam algo indecifrável. Será existe uma linguagem, alguma mensagem no marulho das ondas?
Lá os barquinhos, as ondas buscando-os na areia, as águas tocavam os cascos na praia. Desviei o pensamento para a realidade perigosa do calçadão onde meus pés estavam, a orla escura e desértica com seus ratos à caça da sobrevivência, dos restos de alguma humanidade.
Deparei-me e olhei nos olhos do rato que me fitava estático, como se duas bolinhas de gude prestes a explodir, ruína seu olhar e eu me espelhava ao fundo dos seus escombros, ele se aproximava de meu cheiro quente com jeito de sério-obscuro-debochado, por um instante nos reconhecemos na nossa miséria, na nossa condição de, muitas vezes, manter a sobrevida.
Desviei meu pensamento do olhar hipnótico do roedor, e dei a caminhar com o olhar voltado para o horizonte... e ele, o rato, se deu a correr para os subterrâneos da praia, logo voltará à superfície na coleta das sobras às sombras.
Voltando, ainda, ao apartamento, exausta, me perguntei até quando viveria, até que idade eu chegaria, mais quanto tempo eu teria de caminhada nessa estrada infinita. Um esvair de areia, onda, luminância e sombra. Meu tracejado é apenas um ponto íntimo. Ah, eu precisaria de, no mínimo, umas cinco vidas pra viver o que. Mas, ao mesmo tempo, já dissera antes, não suportaria a eternidade. A eternidade é uma intimidade sombria.
Ah, palavras, pensamentos... A vida é ação, é prática e é custosa.
As idéias criam palavras? É ação que cria mundos, e palavras criam o quê?
Elucubrações, anjo meu, elucubrações...