FLAUTA ANDINA

"E a minha palavra nascerá de novo,

talvez noutro tempo sem dores,

sem os fios impuros que enredaram

negras vegetações ao meu canto,

e nas alturas arderá de novo

o meu coração ardente e estrelado."

(Canto General, Pablo Neruda)

Quero mesmo compreender o que me diz o condor em seu vôo próximo. No roçar de suas asas, no cortar a bruma elevada, qual lâmina oferecendo a carne ao sacrifício, revela na nuvem o que existiu e não perdurou. O vôo revela a premonição do ontem.

Subindo as escadarias de pedra, circundando o monte, subo aos céus. Também é entrega.

Embora rarefeito, o ar é o que eu procuro. Faltando-me, é o eldorado/recompensa. Cantando a terra enquanto me enraízo em sua crosta, faço parte do continente. Apreendo com os pés tocando o chão o calor de tempos outros. Sinto a dor da terra violada. Velho Mundo, estupro o amarelo da riqueza e, pó que resta, abandono o violado canto.

Esculpi na rocha oferenda a minha crença. Calculei a rota dos céus no vôo do Rei Condor que me conta o passo de outros. Não há mistério na rota. Joga-se ao abismo e encontra o céu. Métrica rocha, encaixada, sobreposta perfeita na matéria mesma de sua lapidação. Restam ainda.

Escondo da ave meu olhar.

Diz que não sou digno. Antes de olhar é necessário redimir. De quem origino obscurece o céu. A bruma branca se enfurece de cinza dos queimados sem desígnio.

Peço perdão e a monarca incolor assente com o bater das asas.

Borboleta e Condor sincronizam o crescer e extinguir da relva. Batendo as asas, sopram fôlego aos que anseiam respirar.

Ladrilhado de rochas, o caminho edifica as alturas. Visão para o mundo. Elevados tocam, presenteando de fôlego, condor e borboleta incolor uma nota de vento numa flauta com a voz de um andino.

As cores de suas vestes preenchem o dourado antigo, o milho das rochas. Tecida a elaborada trança do tempo, recupero no sopro a terra que falta em meu mundo, o vento que faltava dizer em meus ouvidos o farfalhar incompreensível das penas da Ave Rainha.

Concordo com o que me dizem as asas incolores. Vislumbro o opaco por entre seu corpo, por entre a névoa dos Andes e devo abrir os olhos para decifrar as palavras.

Fabiano Rodrigues
Enviado por Fabiano Rodrigues em 25/08/2009
Reeditado em 29/12/2009
Código do texto: T1773157
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