Comunhão

COMUNHÃO

O céu acinzentado descontrói-se em fios de água, trovões e raios ao longe no entardecer. Aqui, sob a chuva fina, as andorinhas banham-se às pressas buscando abrigo, os jacarandás enaltecidos em seu verde lavado fazem-se nobres em cor e cheiro, jogando suas sombras sobre os fios elétricos, postes de cimento e largas calçadas. A tristeza flui do asfalto ao chorar do chão embrutecido.

As almas buscam em outro mundo o geminar de sentimentos não correspondidos. Minha sacada ainda não está plantada com meus amores-perfeitos, também não há escadinhas-do-céu, na vizinhança. As espadas de São Jorge ainda predominam a meu lado, resguardando, dizem, dos maus espíritos o oitão à sombra do cinamomo que renasceu apesar dos homens. Ao longe vejo um pé de flamboaiã, deslocado da origem africana, exibindo as últimas flores rubras primaverilmente esquecidas a incendiar o já anoitecer.

Haverá chance para se ser feliz, sem a comunhão dos elementos? Como comungar assim, se a terra geme, o corpo se deteriora, os passarinhos nem cantam, a chuva não lava mais nem as línguas nem as dores dos pobres de espírito e o verde e as flores se derramam mal aproveitados e mal amados pela humanidade? Um papagaio e um periquito gemem sua solidão presos no quartinho do apartamento vizinho.

Que posso fazer por ti, ó mundo? Por mim, que fazes? De que te valerás para ser salvo? Que mais inventarão os homens pra diminuírem entre si os contatos que os aproximam e os afastam, ser a ser?

Sou... Quero ser ponte-espírito e partir para ti num abraço sem braços, num beijar sem lábios, num voar sem asas, entrelaçar de mãos e dedos, pernas e pés e ficar assim, corpo físico-espiritual uno, sem fronteiras, sem barreiras... Sem princípio e sem fim... ser peça, por pequena que seja desse teu recomeçar: deixa ao menos eu fluir do verbo em meu protestar no teclado, imune das cogitações mundanas da destruição. E, então, talvez não seja mais feliz comigo mesmo, mas viverei mais satisfeita com esse universo de desigualdades e penas aplicadas a quem não pecou.

Comunga comigo no refazer do bem criado. Semeia comigo o verde que falta em nossas vidas. Plantemos juntos esperança e mudança das idéias e do chão dessa humanidade perdida e deslocada em nós das próprias origens. Demo-nos as mãos nesse fim-princípio do ser que há em cada um de nós.

Juntemos os nós de nós mesmos e o ser que somos um no outro e vejamos que podemos fazer para colaborar nesse SER que participamos sem limite: nessa comunhão que pretendemos corpo-espírito pela Paz Universal. Ieda Cavalheiro

Ieda Cavalheiro
Enviado por Ieda Cavalheiro em 22/08/2009
Código do texto: T1767384