PRIMAVERA
" A primeira vez que te vi foi naquele ônibus que subia aquela rua que parecia não ter fim. Havia livros e cadernos em cima dos teus joelhos. Eu vi os joelhos. Não me lembro dos títulos dos livros, nem das cores dos cadernos, mas me lembro dos joelhos. Tinha covinhas. Sempre achei um charme joelhos com covinhas.
Depois de te vi de novo., desta vez num parque de diversões. Eu ia lá todos os dias. Eu era o locutor, fazia versos e oferecia músicas para os namorados. " Esta aqui é para a menina de vestido azul e cabelos loiros, que está junto à barraca da maçã do amor. O nome dela é...e quem oferece é...."
Te convidei para passear na roda gigante. Lá de cima eu via a serra e por cima dela havia estrelas suspensas. Não me parceia ridículo acompanhar o teu grito quando a roda iniciava a trajetória de queda e uma vertigem e um frio na barriga me faziam sentir que eu comera demais. E aquele medo de vomitar na sua frente.....
Estudavas muito, eu não. Eras normalista, quase professora. Eu era metido a artista. Sonhava fazer programa no rádio, escrever para jornais, publicar livros. Sabias muito mais coisas que eu. Conhecias a geografia do mundo, a história, corrigias minhas linguagem cheia de vícios...
Quando me convidastes para ser teu padrinho de formatura, eu fiquei muito honrado, mas também com uma vergonha dos infernos. É que eu nunca tinha vestido terno e gravata na vida, nem jamais dançara uma valsa....
Belos tempos, aqueles. Eram o nossos dias de primavera. Tudo jorrava fácil, como água de fonte libérrima, à qual ninguém conseguia estancar. Éramos jovens e felizes, com tão pouca coisa que tínhamos, mas com muita esperança e confiança no futuro que se nos apresentava. Sózinhos, num jardim à noite, ou caminhando silenciosos pela rua interminável, entre os teus, ou os meus amigos, brincando nos aparelhos do parque de diversões, eu era um Adão com minha donzela recém construída. O dia era imavculado, a noite era confortadora, o passado não tinha nenhum peso, o presente era um dia de torneio, o futuro, um campo de celebração.
Era primavera e o amor nascera tal qual uma flor no campo. Livre, robusta, alegre como uma borboleta. Os sonetos que se seguem são o produto daqueles dias. Só agora recebem certidão de nascimento, mas nasceram mesmo naqueles tempos em que eramos namorados. Deveriam agora estar adultos, como nossos filhos, mas gaveta de poeta é como uma Xangrilá onde os sentimentos se conservam para sempre. Se os achares infantis é porque o tempo não agiu sobre eles, da mesma forma que não mudou nada em nossos corações.
Mas isso não é nenhuma novidade. O coração do amante nunca envelhece. Quando retirei estas velhas folhas amareladas da gaveta, e reli o que escrevera, achei que era o momento de confessar-te estes pecados de primavera. São pecados de que me orgulho ter cometido. E agora que os recupero, na idade madura, parecem-me um canteiro de flores, descuidado, esquecido, mas ainda sobrevivente e conservando aquelas antigas e sublimes emoções.
É isso mesmo que eles são, meu amor. Os teus sonetos de primavera.
( INTRODUÇÃO AO LIVRO CENTÚRIA-ROMANCE SONETADO)