Já lá vem a despedida
Vejo-me lá do alto deitada na terra fria, uma tabuleta ao lado num estertor ainda, que impede a leitura da sua razão de ser.
Nela se cruza o mistério de uma rua objectivamente irreal, em ebulição, num alheamento inacessível ao pensamento abstractamente concreto. E nessa rua a caminho do nada as pedras disfarçam-se sob os pés também eles disfarçados de movimento, como um enrolar do destino em cada morte que me persegue.
Isto de estar tão próximo do fim e nada ter feito dissolve-me os olhos, vence-me de solidão e dá-me a lucidez dos velhos. Já lá vem a despedida e ainda nem vesti o melhor fato. Não limei as palavras que compõem a sua peça inteira, não escolhi sequer as linhas seguras para o segurar nos ossos, eles também ainda por sacudir.
Provisoriamente envergo as vestes da perplexidade com que repentinamente cheguei ao alto desta visão que me pensa e me acha no esquecimento.
Trago ainda nas mãos todos os propósitos do mundo, tantos que não me caibo neles.
As qualidades que me invento de nada servem, porque o mundo tem a porta fechada e eu extraviei a chave no bolso das boas intenções. A minha voz será bela ainda, mas eu não vejo os ouvidos onde assoprar as borboletas dos meus versos. E no meu corpo exangue já ninguém lê as linhas que o tempo marcou e disfarçou...
Quem sabe, se todos os meus versos fossem altos, nobres e lúcidos eu os pudesse deixar em testamento. Ninguém diria que falhei.....