Diálogo surreal


De onde vem esta voz rouca, sibilante, ecoando aos meus ouvidos como o grito da ave que foi solapada da vida por um louco projétil a si endereçado? Aguço os meus ouvidos atenta ao que ela diz. Não posso sequer imaginar quem seria o ser que a estava emitindo. Olho para os lados assustada.Uma sensação de frio percorre todo o meu corpo e as minhas pernas vacilam. Envolta em uma tênue névoa, vestida com um manto cor de esmeralda, olhos flamejantes e espada em punho ela se apresenta para mim. Busca-me com o seu olhar feroz lançando-me o jato das suas rústicas palavras:

-Sou a Morte! Aquela que caminha diariamente ao teu lado como se fosse a tua sombra e não me vês.Vem, senta comigo e conversemos. Travemos o mais belo e verdadeiro diálogo que já tiveste na tua vida. Por que me temes? Posso ver  no teu olhar o medo estampado. O medo que todos os teus antepassados  incutiram na tua mente sedenta do meu conhecimento. Vem, abençoa este momento e ouve-me, pois. Sei que estranhas a minha aparência pois me conheces como uma bruxa  feia em vestes negras carregando uma foice com a qual ceifa as vidas. No entanto assim não me vês neste momento. O que vês? Pergunta-me fitando dentro dos meus olhos com as suas pupilas dilatadas onde  posso vislumbrar um poço de mistérios.

- Tartamudeio alguns monossílabos buscando justificar a minha estupefação.

- Vamos, grita solene. Diga-me o que vês? Uma bruxa ou apenas alguém irado por ter sido há milênios tratado com desprezo e temor?!

- Balbucio desculpas infundadas buscando coragem dentro de mim e pergunto-lhe de uma só vez:

- Que queres de mim? Por que razão te apresentas  para mim desta maneira? Compreendo o furor  que se estampa no teu olhar e a ira pouco dissimulada na tua voz; só não entendo o porquê desta tua veste verde e desta espada  que ostentas na mão.

- Pensa! Pensa, pois. Pronunciando estas palavras ela gira sobre os próprios calcanhares e dá alguns passos encurtando a distância que nos separa. Deixa cair a espada ao solo estendendo-me as mãos.

Maquinalmente  estendo as minhas que as  tocam .  Surpreendo-me com a maciez e tepidez que me invadem Permito transparecer a minha surpresa e  escuto-a  dizer-me:

- Esperavas tocar em duas gélidas e horripilantes mãos e te surpreendes com o que sentiste. Como explicas a ti mesma esta condição?

Novamente encabulada balbucio desculpas.

- Mas ainda não me respondeste porque apresentei-me assim em vestes verdes e de espada em punho, para ti.
Falou-me, com um ensaio de sorriso brincando nos  lábios.


- Não ouso falar erguendo um muro intransponível de silêncio entre nós. Percebo-a galgando este muro a fim de chegar até a mim.

Não há como lhe resistir.Solenemente cabisbaixa posto-me diante dela para ouvir o que ela diz serem as suas últimas palavras:

- Não esqueças, jamais, o que agora vou dizer-te! Visto-me de verde porque esta cor simboliza a esperança .Eu sou a tua esperança! A esperança de viveres novas vidas e reencontrares os teus amores que já levei para outras esferas. Esta espada que trago nas mãos eu te ofereço para com ela dizimares os teus maiores adversários que estão dentro de ti mesma. Entre eles está o medo! Os teus inúmeros medos e o pior de todos eles: o medo de mim que sou a tua mais tangível realidade. Quando aniquilares todos os teus medos aprenderás a conviver lado a lado comigo, estreitando-me em teus braços como fazes com os teus melhores amigos.

Após estas palavras , desapareceu deixando atrás de si um suave aroma de jasmim.




bjs,soninha