Dialogo sobre o tempo entre dois travessões diferentes.
- Correm as horas!
- Por onde, que não as vi?
- Correm pelos dedos, pelas frestas de nossa existência.
- São bem silenciosas então?
- Geralmente sim, passam despercebidas, quietas, quais as madrugadas à espera de um amanhecer, do qual nem a luz do sol é capaz de iluminar um caminho, direção, fulga, ou abrigo, mas às vezes são barulhentas, estrondosas, balançam nossas vidas a cada passo. E quando fazem este barulho e nos acorda, ou pelo menos nos tiram do estado de letargia, movem-nos em um impulso contra nós mesmos que nos vem ao paladar o amargor da ânsia esquecida, abandonada, ou simplesmente derrotada.
- Discordo... Acho que o tempo não se move, ele continua ai, o único que não é perene. Nós sim, que por sermos meros parasitas do existir, atribuímos ao grande tempo esta característica pertencente apenas àqueles que passam.
- Como assim?
- Nós somos crianças bem nutridas, que se enchem de leite e desconhecem qualquer vínculo com sua mãe, somos tais e quais prostitutas que ganham seu pão sem se preocupar se quer com o nome de quem lhe compra os serviços.
- Que loucura é essa? Não te disse que o tempo correm por ter pernas e pressa, disse que passa rápido, e que nós ficamos pra trás nesta maratona transuniversal, transplanar.
- O tempo corre! Rá, só se for como corre a lua, na ilusão que temos enquanto crianças, de que ela está a seguir o carro, durante as viagens noturnas. Como se o girar da terra fosse a tentativa de uma montanha acompanhar o correnteza de um rio. Como se a terra girasse na tentativa de não ser encarada pelo sol e o sol girasse para frusta-lhe tal intento.
- Tudo bem, tudo bem. Tal assunto não merece tamanha discursão, não quero mais perder tempo com tamanhas loucuras.
- Calma ai, onde vai? Com medo de desperdiçar seu óbolo de existência? Se o tempo corre passe-lhe uma rasteira, deixe-o se espatifar, e existir imóvel, qual aquela pedra que era branca e agora o musgo a faz verde, ela continua lá, indiferente ao verde que a enfeita a passos lentos.
- Tudo bem, deixe-me ir que amanhã é dia de trabalho.
Deixe-me ficar, pois amanhã é dia como todos os outros, dia de viver das provisões involuntárias da vida.