[O Brilho dos Olhos]
[O óbvio: escrevo por que cumpre aliviar o peso da tralha]
Eu confesso que escrevo agora sem pensar, sem pesquisar se é vero ou falso, afirmar não afirmo, mas ando desconfiado... será que o meu senso de observação abandonou-me... — a mim, um experimental?! Ou não? Ou nunca existiu, e foi tudo ilusão?
Ah, não sei como não me canso de mim; estou sempre a pensar inutilidades, vacuidades, ingenuidades — sempre! Quando é que vou cessar de interrogar, de implicar com as coisas óbvias?! Talento... sim, mas para cavoucar o óbvio, as coisas inúteis, bosta de formiga?! nunca vou ganhar dinheiro com isto!
Aliás, eu estou sim, cansado de mim, estou cansado de muitas coisas, estou cansado de mascar, mascar e mascar, sem descobrir nenhum sabor — será que isto é falso... também?! tenho quase cem anos de idade, e os meus olhos... — ah, eis a questão — !
Olha só... é o seguinte... chego na questão: será que alguém poderia me dizer se é "fisicamente" verdade que os olhos brilham de
amor,
ódio,
surpresa,
ambição,
alegria,
paixão,
ilusão,
e de que mais?!
A ilusão... é a ilusão que faz brilhar os olhos?! Mas então, se já vou chegando aos cem, se já estão mortos os projetos, os ideais, deus morreu, Marx morreu, e Freud... ah — o inconsciente não existe! — e isto, por si só, liquida Freud também — será? Então, onde buscar uma ilusão, onde?
Minhas paixões são cinzas ao vento, ilusão, se alguma tive, perdi, faz tempo... marcho em ordem e paz pelo areião branco, e arrasto a minha mula com as tralhas — o garimpo secou deu nada, nada... quem é que acreditaria nisto, se eu mesmo...
Mas e os meus olhos? Consulto o espelho: ah, não, os meus olhos não estão baços; mas tampouco brilham — são o que sempre foram? Que sei eu de mim? Nada, nada! Se as coisas não mais brilham para mim, como haveria um reflexo — um brilho — em meus olhos?
Torno a olhar o espelho: se eu não estou triste, seco, vazio, eu pareço triste — ou nem isto consigo? O brilho nos olhos — reflexo do mundo?
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[Penas do Desterro, 06 de agosto de 2009]