[Uma Pequena e Ingênua Fábula de Amor]
[O Óbvio grita e nem sempre é ouvido!]
Envolto no tédio de uma tarde ensolarada,
perdido em cogitações sobre a vida besta,
estava eu entre as flores do meu jardim,
quando uma linda borboleta azul-claro,
numa atitude de ousadia, ou sei lá o quê,
pousou suavemente em meus lábios;
nesse instante, senti um perfume excitante —
mistura de almíscares de flores já visitadas?
Ah, esse aroma... inebriado, sensualizado,
fiquei imóvel: não tive coragem de enxotá-la;
enquanto ela passeava, bem devagar,
as suas patinhas macias em meus lábios,
eu, temendo a sua fuga, nem me mexi!
e logo, ouvi uma voz suavemente rouca:
“sou Amor, e tu, como te chamas?”
Admirei-me, e irônico, fiz troça de Amor:
Amor — logo tu, tão frágil criatura?!
não pode ser! Eu sempre ouvi dizer
que o Amor é uma força descomunal,
traz prazer e sofrimento aos homens, ao mundo,
causa a solidão mais atroz, provoca até guerras!
O que te pode importar o meu nome?
sou apenas mais um humano — aos teus caprichos!
“Ah, tantas são as mentiras que falam sobre mim,
e mais ainda são aquelas que dizem em meu nome!
Eu venho sempre nas asas mágicas do Acaso,
nenhum humano resiste aos meus filtros!
e torno-me mais e mais forte se passo a habitar
uma construção erguida e cuidada com afinco —
sou sensível aos detalhes mais sutis da relação !”
Humano sou — como resistir a Amor?! Sucumbi!
Amor esvoaçou sobre o meu jardim, pousou aqui e ali,
voltou aos meus lábios, e sorriu para mim
enquanto deixava trescalar o seu aroma suave!
E durante dias e dias, tantos e tão intensos
que eu já até perdi a conta deles,
Amor povoou de delícias e prazeres o meu jardim —
visitou-me nas madrugadas, nas tardes lentas,
expulsou o tédio, os pensamentos de morte,
esparziu sobre o meu corpo a sensualidade,
abriu até os poros da minha pele ao prazer,
levou-me ao gozo infrene, à perda de mim!
E certa vez, disse-me, nem precisava, a modo de aviso:
“ouve-me: sou o sentido maior da [tua] vida!”
Discordar de Amor?! Impossível, impossível!
Mas o tempo foi passando, e eu descuidei-me;
não mais cultivava as flores que Amor tanto gosta,
cessei de irrigar o meu jardim, deixei as pragas crescerem,
os muros de proteção caíram e não foram reerguidos...
E assim, ressentido, Amor não veio mais, foi-se de mim!
De que adianta purgar os meus erros, os meus descuidos?
A catarse da autoinfligida perda de Amor nem é possível...
E a mim, que gastei décadas de vida cinza, insossa,
antes de o Acaso trazer a borboleta azul-claro ao meu jardim,
só restou mesmo o inútil consolo de que, pelo menos,
não morrerei sem ter conhecido Amor!
Ah, agora, em meu vetusto e tedioso jardim,
eu passo as horas a cultivar ervas amargas e urtigas.
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[Penas do Desterro, 04 de agosto de 2009]