Ruptura
O ar paralisa as horas que se arrastam sofregamente.
Procuro-te através da janela, e tu não estás, não vens, sei que não virás e entretanto vos espero, eu vos espero pacientemente como quem esperasse o pássaro que migrou de repente para esconder-se do frio, espero sabendo que não há resposta, sabendo que não há retorno provável e somente porque aguardar é inevitável.
É que tu precisaste partir e vos deixei, não vos pude prender a mim posto que sois um ser independente como eu e a tentativa de impedir o afastamento, a resistência aos ventos, é mais torturante que a partida: o sopro pode consumir-nos.
Entrego-me sem querer às horas que passam sobre meu corpo, e o tempo agride meu pensamento entregue a si mesmo, perdido num abismo de cogitações inócuas que tentam evitar a dor causada pela falta de compartilhar instantes convosco.
Então percebo a perecibilidade de tudo e de mim mesma, estou prestes a terminar-me, estou prestes a sucumbir, e vós sois o mundo ao qual me agarro para não o deixar em vão.
Percebo sem ti que o chão se desfaz continuamente, não há por onde pisar mas meus pés iludem-se com os fatos e seguem, sem saber aonde, seguem inertes, confusos, a transitoriedade escorregadia dançando ao redor dos olhos humanos que se cruzam pelas ruas.
Sigo, sigo como se houvesse sentido em seguir, sigo como se houvesse sentido em mim e noto que se perde um pouco de si no outro.
Levaste-me contigo sem o saber, levaste-me.
Perdi-me um pouco, eu me fui contigo, mesmo fadada a permanecer distante de ti.
E a ausência ainda é algo que pulsa, a vossa e a minha, vagando como uma sombra que paira sobre os espaços em que me perco só.