Ruptura

O ar paralisa as horas que se arrastam sofregamente.

Procuro-te através da janela, e tu não estás, não vens, sei que não virás e entretanto vos espero, eu vos espero pacientemente como quem esperasse o pássaro que migrou de repente para esconder-se do frio, espero sabendo que não há resposta, sabendo que não há retorno provável e somente porque aguardar é inevitável.

É que tu precisaste partir e vos deixei, não vos pude prender a mim posto que sois um ser independente como eu e a tentativa de impedir o afastamento, a resistência aos ventos, é mais torturante que a partida: o sopro pode consumir-nos.

Entrego-me sem querer às horas que passam sobre meu corpo, e o tempo agride meu pensamento entregue a si mesmo, perdido num abismo de cogitações inócuas que tentam evitar a dor causada pela falta de compartilhar instantes convosco.

Então percebo a perecibilidade de tudo e de mim mesma, estou prestes a terminar-me, estou prestes a sucumbir, e vós sois o mundo ao qual me agarro para não o deixar em vão.

Percebo sem ti que o chão se desfaz continuamente, não há por onde pisar mas meus pés iludem-se com os fatos e seguem, sem saber aonde, seguem inertes, confusos, a transitoriedade escorregadia dançando ao redor dos olhos humanos que se cruzam pelas ruas.

Sigo, sigo como se houvesse sentido em seguir, sigo como se houvesse sentido em mim e noto que se perde um pouco de si no outro.

Levaste-me contigo sem o saber, levaste-me.

Perdi-me um pouco, eu me fui contigo, mesmo fadada a permanecer distante de ti.

E a ausência ainda é algo que pulsa, a vossa e a minha, vagando como uma sombra que paira sobre os espaços em que me perco só.

Clarissa de Baumont
Enviado por Clarissa de Baumont em 03/08/2009
Código do texto: T1734546
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.