Em um segundo

Para Susana Ferretti

Eu diria que alguns segundos apenas me bastam. Chico diria basta um dia, um meio-dia. Para mim alguns segundos me transformam e revelam o que oculto estava dentro de mim. Se aparento um leão, tranformo-me em um carneirinho indefeso, esperando ser abatido. Se transpareço fraco e inocente, revelo o verdadeiro demônio que mora aqui dentro. Como disse, para mim bastam-me alguns segundos.

E esses segundos podem ser eternos, inesquecíveis. Diga uma coisa. Quantas vezes você pensou em algo do tipo, se eu não tivesse ido, se eu não tivesse dito, se, se, se... apenas duas letras, apenas alguns segundos?

Em alguns segundos eu viro um palhaço que foge do verdadeiro motivo da reunião. Finjo-me doente, perco a voz, sinto-me gordo, indisposto, tenho verdadeiros ataques de rinite crônica, fico até sem ar. E sinto tudo isso, o fingimento é tão grande que chega a doer. E dói na alma.

Isso porque me sinto fraco e não enfrento. Isso porque deveria desistir, eu que continuo e persisto. Isso porque eu já nem sei mais, apenas sei que sinto, e isso basta. "É só um meio-dia, onde se jura e desconjura e se instala a dor..."

Eu não quero ter dor de nada. E muito menos causar dor.

Quero a orgia de um dia de sol me queimando a pele com seus raios incolores. E quero ver brotando o meu sorriso de agradecimento ao Criador quando o vento bate no meu rosto. Quero o cheiro das flores noturnas, a água da cachoeira. "E eu que não sei nada do mar..." Só sei de mim. Só sei de mim. Só sei de mim.

Por isso, vou abrir a janela e berrar para quem quiser ouvir. Sou completamente insano e o que você tem a ver com isso? Sou louco, sou louco, sou louco. E também sou feliz com a minha loucura. Porque ela é minha e é tudo o que eu tenho. “Você não tem um nome, eu tenho. Você é um rosto na multidão e eu sou o centro das atenções”.

Prefiro ouvir, ver, sentir, agonizar e ser tudo isso do que não ser nada.

Eu vivo e respiro. E tenho asas quando quero voar para bem longe, para muito longe, aonde ninguém pode chegar. No meu mundo, tudo é possível. E lá, despudoradamente, sou quem sou. E não tenho vergonha disso.

Em apenas alguns segundos me revelo.

Texto publicado no livro Muito Mais, de Márcio Martelli, Editora In House (2007).