Navalha

Vou de cortar lentamente

Com a lâmina das minhas angustias

Pouco afiada – mal mirada – dor alargada

Vou te cortar diariamente

Lenta e eternamente.

Deixo a ti a porta aberta

Deixo a ti a chave incerta

Fecho os olhos, pouco alerta

Prendo a inspiração e a respiração

Ainda sinto o cheiro da tua transpiração

Tu não partes

Junta as partes e permanece ali

Preso a mim, presa a ti

Cordeiro do sacrifício

E novamente te toco - como ferro em brasa

Penetro – e faço de ti minha casa

Te mordo, te marco, te sofro, te rasgo

Pouco a pouco apago a vida em ti

O brilho dos teus olhos – opaco

O grito dos teus lábios – já fraco

E tudo o que resta – um naco

Daquilo que um dia sorriu em ti

Vou de cortar lentamente

Em muitas partes, em muitos ramos

E se te corto é porque te amo

E só me alimento de ti.

Vou de cortar lentamente...