Sobre, descobrir[-se].com

Pegava seu café-com-leite e sentava em frente ao computador com o único propósito de preencher teus vazios. Era a descoberta do milênio e o inventor deveria ser premiado milhares de vezes, de acordo com ele, por ter feito tal proeza: fazer com que pessoas criem afinidades sem nunca terem se visto. E ele começou como quem não queria nada. Despretensioso. Caminhava devagar porque não sabia como era o caminho. Cautela era teu nome e sobrenome porque morria de medo do mundo lá fora, e também do mundo aqui dentro. Ficava em casa acalentando o ócio e acabava se misturando ao mundo irreal que criara para fugir do teu. Algumas horas de bate-papo aqui, conversa fiada ali, e o caminho se abre como aquela luz no fim do túnel que algumas pessoas já contaram alguma vez na vida, tipo renascimento, sabe como? Segunda chance? Descobrindo a vida? Mais ou menos assim, era pra ele. Ele descobria a cada tecla que um mundo mais bonito se desenhava pra ele. Nem precisava ficar guardando a timidez que sempre o impedia de viver, porque ele estava sozinho no quarto. Sem ninguém pra olhar de cara feia. Ninguém pra reprovar. Ninguém pra repreender. Ele podia ser ele mesmo, mascarado. Escondido. E isso era o melhor daquele mundo: poder se mostrar por inteiro, escondido em local seguro e aconchegante. Ele foi criando um segundo-eu. Alguém que ele gostava mais do que o primeiro-eu. O segundo-eu era cheio de amigas. Era sempre recheado de muito carinho e afagos entre as redes. Batia papo sobre tudo e revelava devagarinho [quase] todos os teus segredos. Chegou a ponto de querer enterrar o primeiro-eu, porque ele só queria ficar no quarto ouvindo os dedos estalarem, o barulho do teclado e uma música qualquer. Estava esquecendo da essência. Não se lembrava mais do gosto da vida de verdade. Queria continuar vivendo uma mentira, porque sabia que aquela vida nunca seria vivida. Ele não teria coragem de marcar um encontro, de trocar um telefone. E não enxergava que a vida não tinha mais propósitos. Ficou covarde a ponto de não encarar a verdade escancarada. Naquele tempo, muitas pessoas haviam o deixado de lado, porque depois de um longo tempo de conversa a relação paralisava. Ele não conseguia evoluir. Caminho natural das coisas. Aqui e lá, precisa caminhar. E o que o impedia de caminhar aqui, impediu lá também. E aquele mundo foi perdendo a cor. Não tinha mais a graça de antes. E ele se perdeu dele mesmo por um tempo. Até descobrir, entre sinuosos caminhos e enfrentando algumas tempestades, que ele era melhor que toda aquela máscara que ele vestia e não conseguia tirar. Ele percebeu que tirando a capa, o que restava por baixo também era interessante, muito mais interessante. Foi percebendo que nem sempre fazer cara feia pro espelho funciona, porque se fizer, assim vai se ver: feio. E nem falo de beleza física, estereotipada. Não, não, não. Falo da beleza que cada ser humano tem: vontade de viver, vontade de sorrir e de ver os outros sorrindo junto, vontade de realmente fazer uma diferençazinha na vida de um outro alguém, vontade de ser melhor porque o caminho escolhido permite. Depois que ele descobriu a simplicidade, escancarou as portas e janelas pra luz-do-sol entrar, pro sorriso voltar a fazer parte do rosto, pras pessoas invadirem cada pedacinho não explorado dele. Ficou dividido entre dois mundos: o de verdade, e o quase-de-verdade. Passou a ser a mesma pessoa nos dois lugares. E aprendeu a valorizar[-se] aqui, e lá. E aprendeu que pode achar o amor aqui, e lá.

Glau Ribeiro
Enviado por Glau Ribeiro em 27/07/2009
Código do texto: T1722604
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