Conto de Fada ²

Caíque tinha acabado de passar pelo corredor. Correndo. Não a viu. Os encontros não eram mais tão habituais como antes. Caíque estava trabalhando muito e quase não ficava mais em casa. Ela achava que ele tinha outra[s], mas também não se martirizava com isso. Ele era só diversão, só diversão. Ela insistia em repetir essa frase em alto e bom tom na tentativa frustrada de se convencer que Caíque não significava nada além de uma boa taça de vinho e todo prazer que ela tinha numa manhã de frio. Tinha ido ao supermercado fazer as compras do mês e quando chegou em casa, viu um bilhete debaixo da porta. Antes de abri-la, puxou o papel que estava endereçado a ela. Era de Caíque. Entrou em casa, despejou as sacolas todas em algum lugar da cozinha e leu o bilhete como quem lê o resultado da megasena acumulada. Dizia: Ando com saudades. Estranha de sentir. Queria que estivesse frio. Queria não precisar esperar o frio pra te procurar. Queria muito, e não sei lidar com isso. Te espero hoje a noite, por mais calor que esteja fazendo. Ela não acreditou. Achou que fosse trote de algum vizinho maldoso. Depois achou que a letra não fosse dele. Depois teve certeza que era. E depois cansou de pensar nas hipóteses e decidiu acreditar naquele pedaço de papel. Achou até que tinha o cheiro dele impregnado naquelas linhas.

A manhã era fria, mas a metereologia prometia um dia de sol e uma noite quente. Pra ela, o quente agora tinha várias conotações. Ela riu das besteiras que estava imaginando e balançou a cabeça tentando jogar essas ideias pra fora do pensamento. Foi trabalhar, mas não parou de pensar no bilhete nem por um minuto. O contato dela e de Caíque era casual, não mais que isso. Não sabia ao certo o que ele fazia no trabalho, não sabia telefone, nem e-mail e não conhecia nenhum amigo dele. Extremamente casual. Ela pensava. Ele poderia esconder tantos segredos. Talvez fosse casado, mas a esposa morasse em outro lugar, porque ele morava lá há pouco tempo, e provavelmente se mudou a trabalho. Estranho aquele bilhete. Começou novamente a não acreditar nas palavras. Como se fossem códigos, tentava descobrir a combinação, a lógica. E nem conseguia formular uma tese sequer. Eram as palavras que lá no fundo ela gostaria de ouvir, mas que jamais admitiria porque Caíque era só diversão. Só diversão. Resolveu parar de pensar. A noite começava a cair e ela ia pra casa com uma ansiedade até então, desconhecida.

Chegou em casa. Colocou, como de costume, um CD qualquer dos The Cranberries e foi tomar banho. Deixou a água cair sem pressa. Usou todos os sais, óleos e hidratantes que tinha para relaxar porque se sentiu tensa durante todo o dia. A água estava fria, pois realmente fazia calor naquela noite. Colocou um vestido que sabia que Caíque gostava só pelos olhares que ele lançava quando a via. Como se quisesse na verdade, era enxergá-la sem o vestido. Talvez não gostasse efetivamente do vestido. E sim do conteúdo. Ela riu dos próprios pensamentos. A hora se aproximava. Ela viu que a luz do apartamento de Caíque estava acesa. Ele já tinha chegado. Talvez já estivesse esperando-a. Talvez, tenha se arrependido de ter colocado aquele bilhete na porta dela. Talvez. Ela não quis mais pensar e foi ao encontro dele. Bateu campainha e instantaneamente a porta se abriu. Como se Caíque estivesse atrás da porta esperando. Ele sorriu. Um sorriso que ela nunca esqueceria. O mais belo dos sorrisos que já havia encontrado na vida. O ambiente estava com gosto de flores. Ele disse que achava sinceramente que ela não iria. E que tinha ficado tenso durante o dia inteiro, desejando que a noite caísse logo. Sorriu novamente ao olhá-la. Ela enrubesceu. Ele tinha preparado o jantar. A mesa estava posta. As luzes do ambiente eram todas a base de velas. Perfumadas, ela percebeu. Ele ligou o som. Ficaram ao som de Barry White. Ela sorriu. Sabia o que isso significava. Jamais imaginaria Caíque num cenário como aquele. Respirando romantismo. Não combinava. Ou talvez, combina até demais. Ele esticou a mão, segurou suavemente os dedos dela e puxou devagar seu corpo pra perto do dele. Dança comigo? Ele perguntou sem esperar uma resposta dela. Ela sorriu, fechou os olhos e pensou: Talvez Caíque seja conto de fadas. Meu conto de fadas.

Glau Ribeiro
Enviado por Glau Ribeiro em 26/07/2009
Código do texto: T1720137
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