Antes que o dia termine.

“As pessoas só observam as cores do dia

no começo e no fim, mas, para mim,

está muito claro que o dia se funde

através de uma multidão

de matizes e entonações,

a cada momento que passa."

(diz a Morte em A menina que Roubava Livros, de Markus Zusak)

Assim te vejo: Cheio de cores, como o narrador descreve no livro. Aquele que você me deu de presente, lembra? Ele rendeu conversas e mais conversas entre a gente. Você queria contar o final, de tão eufórico que ficou, e eu não queria saber. Queria ler, e entrar na história junto com você. Depois tentamos em vão, desmistificar a Morte, a narradora danada que conta a história da Menina que Roubava Livros.

Você, apressadinho, leu primeiro e depois me presenteou. Passou a me chamar de Liesel, só porque eu tenho esse vício de querer qualquer coisa que tenha muitas páginas escritas. Os olhos brilham e eu tenho vontade de levar pra casa, pra me distrair mais tarde. Lembro que a gente só começou a ler o livro porque você ficava brincando e dizendo que eu era a ladra de livros e a ladra do teu coração. Bobo, você é. Com essas cantadinhas baratas arrancava sorrisos do meu rosto com a maior facilidade. É que de tão bregas, eu achava lindo.

Era noite de segunda-feira. Estávamos esparramados pela sala: eu sentada no chão apoiando as costas no sofá, e você deitado no meu colo. O vinho estava pela metade. O livro estava na sua mão. Você relia alguns trechos pra mim e a gente discutia sobre os enredos da Morte. O papo era leve, apesar de que alguns eram contrários a essa afirmação, porque não podiam nem sequer ouvir esse nome. A gente brincava com assunto sério e queria analisar a narradora, Srta. Morte [que deve ser uma solteirona infeliz], como se ela estivesse deitada no nosso divã. E entre brincadeiras de falar sério, você se abriu inteiro.

Ali. Naquela hora. Inesperadamente, sussurrou no meu ouvido todos os teus medos, e todas as suas fraquezas. A Morte te deixava pálido, imóvel. E eu não sabia, até aquele instante. Você encolheu todo no meu colo, com lágrima nos olhos, como menino que precisa de aconchego. E nessa hora eu te abracei desejando nunca mais soltar. Como se meus braços fossem capazes de deixar todos os teus medos do lado de fora da casa. Como se quisesse trancar você no meu lugar mais seguro para não te ver tão indefeso. Você me protegia todo o tempo, e era a primeira vez que pedia proteção. Sem palavras. Só com teu olhar. E uma mistura de cores foi se fazendo entre a gente. Formando uma só, cheia de eu e você.

A Morte num é de nada perto da gente, amor. Somos invencíveis perto dela. Ela que venha se meter a besta pra ver, que eu acabo com ela. - Eu dizia pra tentar arrancar teu sorriso. E arranquei, algumas vezes. Contei pra você que não tenho medo. Que acredito que ela vem só pra separar momentaneamente as pessoas. Que meu medo maior, é não viver tudo que gostaria por medo da vida. Da Morte não, nem tenho mais caras feias pra ela.

E desse dia agora, guardo as lembranças: de um tempo nosso que passou. E que já faz tanto tempo, que nem havia me dado conta. É que ainda vive em mim teu perfume, o teu sorriso que não me deixa e as cores que a gente transformou em melodia. Os acordes voam pela casa inteira, fazendo com que eu tenha falta de ar de tanto respirar você. Não consigo fazer diferente. Mesmo depois de todo esse tempo.

E o medo meu é que você nunca enxergue que os nossos momentos foram únicos. E que a vida não dará muitas outras chances pra gente, porque o tempo é curto demais. O meu maior medo entre todos os medos amor, é que você não me peça proteção nunca mais.

Confesso pra você, baixinho como você fez, naquele dia: estou com medo, agora. Então, volta. Antes que o dia termine, e fique tarde.

Glau Ribeiro
Enviado por Glau Ribeiro em 25/07/2009
Código do texto: T1718520
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